Principais Vozes

Capítulo 3

Principais vozes

pra você que tá sem tempo...

Nesta última década, o que mudou foi o início de um processo de ocupação de espaços com vozes dos próprios indígenas; a emergência de diversas lideranças, escritores, artistas, cineastas, pesquisadores…; o maior reconhecimento público de pensadores, nomes que já eram históricos agora sendo chamados de intelectuais devido ao lançamento de obras icônicas sobre os nossos tempos e as cosmovisões indígenas; a explosão de estudantes nas universidades.

A força, a comunhão e o protagonismo das mulheres indígenas, no plural, foi um outro marco muito citado por entrevistados engajados, junto com o crescente debate sobre representatividade, identidade e o enfrentamento ao racismo no país. “A mulherada tá muito forte”. “Elas cansaram de ficar nesse papel orientador e passaram para a linha de frente.” 

Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), foi o nome mais citado por públicos engajados/interessados no Brasil e no exterior, lembrada principalmente por sua candidatura à vice-presidência da República em 2018. “Um movimento de afirmação política inédito na história recente no Brasil.”

Outros fatores apontados para sua visibilidade e importância foram o fortalecimento da Apib; a adoção da narrativa da agenda climático-ambiental; o diálogo com outras agendas relevantes para o país; e o apoio público, as parcerias e as aparições ao lado de artistas e celebridades. Sônia Guajajara tem também um dos perfis indígenas mais populares nas redes sociais, com mais de 450 mil seguidores no Instagram e mais de 100 mil no Twitter — mais em Redes sociais e em Campanhas de comunicação.

O cacique Raoni Metuktire e o pensador e artista Ailton Krenak foram outros nomes destacados por diferentes segmentos de públicos engajados/interessados. Ailton Krenak também foi recorrentemente citado com enorme admiração e como referência, inspiração, especialmente entre comunicadores e artistas indígenas.

Raoni foi descrito como uma “liderança com grande capacidade de negociação, atuante em momentos críticos da história do país há décadas” e “precursor de alianças com ícones pop”. Em relação à última década, foi lembrado por sua “oposição à construção de Belo Monte no governo Dilma”; por sua “participação em eventos climáticos e encontros com líderes globais, como o que teve com o presidente da França Emmanuel Macron” em 2019; pela “firmeza das respostas e denúncias contra o presidente Jair Bolsonaro”; e como o “nosso candidato ao Nobel da Paz”.

Ailton Krenak, liderança icônica desde a Assembleia Constituinte, autor de best-sellers (“Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, “A Vida Não é Útil”), doutor honoris causa multiplex, foi apresentado como um “fenômeno”, uma “celebridade”, “guru da quarentena”, “o que melhor faz a ligação entre o passado, presente e futuro”, e um “pensador com uma sofisticação verbal muito específica” — mais em Arte, cultura e entretenimento e em Redes sociais.

O líder indígena e xamã Davi Kopenawa — presidente da Hutukara Associação Yanomami, corroteirista de “A Última Floresta”, coautor do livro “A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami” e novo membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) — também figurou entre os nomes mais citados. “O mensageiro das potências extramundanas que sustentam a terra; um anunciador do que o mundo fará em resposta ao que fazemos com ele; um acusador da opressão política, da devastação ambiental e do genocídio deliberado de que os Yanomami e os demais povos indígenas vêm sendo alvo crescente no Brasil, em especial depois da ascensão de um governo dedicado ao extermínio, à destruição completa de todo valor existencial não monetarizável e de todo afeto ativo”, como descreveu Eduardo Viveiros de Castro. 

Além de Sônia Guajajara, Cacique Raoni e, com menor frequência, Davi Kopenawa também foram nomes destacados por entrevistados internacionais; já Ailton raramente foi mencionado por segmentos ouvidos fora do país.

A deputada federal Joênia Wapichana foi a segunda mulher mais citada por públicos engajados/interessados. “Uma mulher indígena que chegou no Congresso é algo muito poderoso. Essa imagem de uma líder do seu próprio grupo alcançando níveis similares aos de outras pessoas que muitas vezes são oponentes é algo singular na política brasileira.” Foi também um nome destacado pelos entrevistados internacionais, alguns deles associando o seu nome ao da secretária de Interior dos Estados Unidos Deb Haaland, sendo ambas apresentadas como novidades positivas da cena política global.

Alessandra Korap Munduruku foi a segunda mulher indígena mais citada por entrevistados estrangeiros — seu nome foi associado, entre outros, à resistência à construção de hidrelétricas no Tapajós, às inúmeras denúncias contra o garimpo ilegal nos territórios dos Munduruku e à força e contundência de sua fala, como, por exemplo, em seu discurso no Congresso Nacional em 2019, que viralizou nas redes sociais.

Os artistas indígenas Denilson Baniwa e Jaider Esbell (falecido em 2021) foram nomes destacados, ainda que quase exclusivamente por pessoas do campo artístico. As obras deles têm uma combinação original do tradicional com o contemporâneo e são sempre carregadas de críticas à compreensão e ao tratamento dado aos povos tradicionais historicamente, questionando conceitos como os de civilização e progresso. Daniel Munduruku e Eliane Potiguara também foram bastante lembrados, festejados e descritos como referências e inspirações por jovens indígenas, assim como o antropólogo, indigenista e documentarista franco-brasileiro Vincent Carelli, criador do “Vídeo nas Aldeias” — mais em Arte, cultura e entretenimento.

A ex-senadora e ex-ministra de Meio Ambiente Marina Silva foi lembrada por representantes de diversos segmentos, especialmente dos movimentos sociais, e elogiada como uma “pessoa central na elaboração de políticas inéditas e inovadoras para os povos tradicionais”.

Carlos Nobre foi um cientista muito citado por públicos engajados/interessados, no Brasil e internacionalmente, pelo “trabalho que vem fazendo em defesa da Amazônia, com propostas que destacam a importância dos povos tradicionais e envolvem lideranças indígenas”,  um nome com “bastante visibilidade na imprensa e entre formadores de opinião”. O cientista também figura como uma das principais referências da agenda climático-ambiental entre os representantes do agronegócio, assim como Tasso Azevedo, Marcelo Furtado e Roberto Waack.

O maior número de artistas e celebridades envolvidos em causas socioambientais foi considerado um ganho excepcional nesses últimos 10 anos, ainda que o apoio tenha sido descrito por alguns entrevistados como “superficial”, “esporádico” e “reativo”. Também surgiram questionamentos sobre “celebrizar as causas” e “pregar aos convertidos”,  além de ter sido apontada a necessidade de “ampliar o leque e as formas de apoios dos artistas” e “diversificar os gêneros musicais e linguagens estéticas”.  

Entre os públicos não engajados, foram raras as menções a nomes específicos. Ainda assim, os nomes mais citados por economistas, lideranças políticas, empresários e jornalistas regionais foram os mesmos mais citados por públicos engajados/interessado: Cacique Raoni e Sônia Guajajara foram os mais citados, seguidos de Ailton Krenak, Joênia Wapichana e Davi Kopenawa. Esses entrevistados, e não só eles, tiveram dificuldade em se lembrar e reproduzir os nomes de povos que as lideranças adotam como sobrenome.

“A luta dos povos indígenas é coletiva, não costumamos nos concentrar em pessoas específicas”, fez questão de pontuar uma pequena parcela de indígenas entrevistados. Muito excepcionalmente afirmaram ser importante diversificar as vozes com mais visibilidade. “São sempre os mesmos que falam. Há figuras muito interessantes em todo canto do Brasil.”

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"Nesta última década, o que mudou foi o início de um processo de ocupação de espaços com vozes dos próprios indígenas. Nós nos organizamos e estamos à frente de discussões políticas, nas mídias sociais, tornando a nossa luta mais evidente para a sociedade."
(Liderança indígena)

Além dos apoios e da visibilidade decorrentes do crescente reconhecimento do papel dos territórios/povos indígenas para a agenda climático-ambiental, esse crescente debate sobre representatividade, diversidade e racismo no país.

"O protagonismo dos indígenas é um ganho que não se perderá com o tempo. A tendência é de se fortalecer cada vez mais, e isso é fundamental, pois essa é uma dívida da sociedade brasileira que nunca será paga."
(Assessor de Comunicação)
"A gente não costuma se concentrar em pessoas específicas, porque o movimento indígena é muito coletivo, e isso reflete muito em como a gente se organiza internamente. É claro que tem pessoas como o Raoni e a Sônia Guajajara, que são figuras do movimento indígena que se destacam nacional e internacionalmente. Mas não é a figura deles em si, mas por representarem nossa luta coletiva."
(Comunicador indígena)
Crédito: Mídia Ninja

Mobilização política permanente, das aldeias ao redor do mundo

Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), foi justamente o nome mais citado por públicos engajados/interessados, no Brasil e no exterior, como resposta à pergunta sobre as principais vozes da última década.

A candidatura de Sônia Guajajara à copresidência da República, junto com Guilherme Boulos na chapa do PSOL em 2018, foi descrita como o principal fator para que ela tenha se tornado mais conhecida e “um movimento de afirmação política inédito na história recente no Brasil”, segundo alguns dos entrevistados.

Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja
"A candidatura de Sônia Guajajara foi, sem dúvida alguma, um ápice para a pauta e colocou o movimento indígena num outro patamar. A Apib se fortaleceu muito. Não quer dizer que a vida dos povos indígenas melhora, ao contrário, mas você tem uma reação organizativa muito forte a partir dali."
(Liderança de movimento negro)

Além da sua candidatura, o fortalecimento e a consolidação da Apib como a principal organização guarda-chuva do movimento indígena do Brasil; a adoção da narrativa agenda climático-ambiental nacional e global; o permanente diálogo com outras agendas relevantes para o país; e o apoio público, parcerias e aparições ao lado de artistas, como Alicia Keys no Rock in Rio em 2017, Caetano Veloso durante as eleições e Leonardo DiCaprio na cerimônia do Oscar em 2020, foram os outros fatores listados como relevantes para maior visibilidade de Sônia Guajajara.

"A Sônia articula muito bem a ligação entre a questão ambiental e a questão territorial, algo que para nós não tem nem separação. Ela também tem dado visibilidade externa às nossas pautas e aumentado a força das mulheres no movimento."
(Cineasta indígena)
"Em termos de personalidades, não tem como não mencionar a Sônia Guajajara. Embora antes dela já tivessem outras mulheres que sempre batalharam, a Sônia foi um marco, pela visibilidade nacional e internacional e pelas parcerias estratégicas que ela compôs. E talvez mais discreta, mas igualmente importante, Joênia Wapichana como a primeira mulher indígena deputada federal e o trabalho dela de articular com competência a questão indígena no Congresso."
(Cientista social)
"A Sônia é muito inteligente, né? É uma liderança que vai agregando outras pessoas, botando para circular, botando para a rua, puxando o movimento. E assim ela vai formando muita gente, fazendo muita gente se aproximar. Isso em qualquer área. E ela conseguiu fazer isso bem e com uma liderança muito leve e ao mesmo tempo dura quando preciso. E inspirando outras mulheres também."
(Ativista)
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja

Diante da polarização do país, alguns dos cientistas políticos compartilharam preocupação com o fato do nome de Sônia Guajajara e das pautas indígenas serem atualmente associados, muitas vezes negativamente, apenas a um espectro político específico e circunscritos aos debates sobre pautas identitárias.

"Conheço muito pouco da trajetória da Sônia Guajajara, mas acho que a imagem da Sônia está muito relacionada ainda à última campanha eleitoral. A imagem dela hoje está muito associada a temas que passaram a ser vistos como sendo da esquerda apenas. Acho que as causas indígenas deveriam ser comuns a todo mundo e esse tem que ser um trabalho permanente, de todo dia."
(Cientista política)

Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo em outubro de 2021, Sônia Guajajara afirmou: “​​É um absurdo essa atribuição aos indígenas, como simplesmente lideranças de esquerda, petistas. Mas o movimento indígena está realmente próximo dos partidos de esquerda, porque é o que se aproxima das nossas lutas. É o que defende as nossas pautas. Não tem como a gente estar lá no partido de direita, que está lutando contra nossos interesses, o tempo todo se colocando como inimigo”.

"A gente está falando de uma das maiores lideranças indígenas do mundo em termos de seguidores nas redes sociais, de relevância, de capacidade de influência. A participação da Sônia numa chapa presidencial, falando sobre povos indígenas, falando da agenda indígena numa eleição presidencial, isso não é pouca coisa para o Brasil, né?"
(Assessor de Comunicação)

Sônia Guajajara, um dos perfis indígenas mais populares nas redes sociais, conta com mais de 450 mil seguidores no Instagram e mais de 100 mil no Twitter — mais em Redes sociais.

Joênia, figura singular da política brasileira

A deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR) foi a segunda mulher mais citada por públicos engajados. Foi também um nome destacado por entrevistados internacionais, alguns deles associando o seu nome ao da secretária de Interior dos Estados Unidos Deb Haaland e ambas apresentadas como novidades positivas da cena política global.

"Vejo a eleição da Joênia, primeira advogada indígena, como algo muito icônico para o país e ainda muito mal compreendido e pouco estudado, não só pelo ineditismo, mas pela complexidade do atual contexto político."
(Cientista político)
"Joênia Wapichana, uma mulher indígena que chegou no Congresso, é algo muito poderoso. Essa imagem de uma líder alcançando níveis similares aos de outras pessoas que muitas vezes são oponentes é algo singular na política brasileira."
(Doador)

A eleição de Joênia foi descrita também, entre outros adjetivos, como “excepcional” e “histórica”. Desde Mário Juruna, em 1982, um indígena não se elegia ao cargo de deputada(o) federal.

Na Câmara dos Deputados, Joênia é líder do seu partido e coordena a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, composta atualmente por 210 deputados e 27 senadores.

A deputada federal, que foi também a primeira indígena a se formar em Direito no Brasil, a primeira a denunciar as violações do Estado brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a primeira advogada indígena a fazer uma sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF), durante julgamento que definiu a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, fez parte da assessoria jurídica do Conselho Indígena de Roraima (CIR) por mais de duas décadas. Em 2018, ganhou o Prêmio de Direitos Humanos da ONU, concedido a cada quatro anos para indivíduos e organizações pelas conquistas extraordinárias em direitos humanos.

Em dezembro de 2021, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados o projeto de lei da deputada que institui o “Dia dos Povos Indígenas” em substituição a nomenclatura “Dia do Índio''. O PL seguiu para deliberação no Senado.

Crédito: Joênia Wapichana
Crédito: Joênia Wapichana
Crédito: Joênia Wapichana
Crédito: Joênia Wapichana
Crédito: Joênia Wapichana

O perfil da deputada federal @JoeniaWapichana no Twitter foi citado como o terceiro com maior alcance potencial em 2019, registrando forte crescimento nos primeiros cinco meses de 2021, depois de uma queda bastante acentuada em 2020.

Guerreira em defesa do Tapajós

Alessandra Korap Munduruku foi o segundo nome mais lembrado por entrevistados estrangeiros, logo depois da Sônia Guajajara. Alessandra, liderança Munduruku do Médio Tapajós e estudante de Direito na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), foi também a primeira mulher a presidir a Associação Indígena Pariri, que representa mais de dez aldeias do Médio Tapajós.

"As mulheres Munduruku, a Maria Leusa Munduruku e a Alessandra Korap Munduruku, são duas lideranças que admiro imensamente. A Alessandra foi num evento, eu acho que foi durante a Conferência do Clima, antes da pandemia, de 2019. Ela foi num evento em Berlim que ela falou para mais de 200 mil pessoas. A mensagem dela é tão clara."
(Assessora de Comunicação)

A campanha do Greenpeace contra as usinas hidrelétricas no Tapajós, com adesão de mais de 1,2 milhão de pessoas, e o processo pela autodemarcação da Terra Indígena Sawré Muybu foram associados à visibilidade de Alessandra Munduruku pelos entrevistados — mais em Eventos e momentos marco.

Também foi muito lembrado um discurso da Alessandra Munduruku no Congresso Nacional, de 2019, no qual ela discorre sobre as ameaças que seu povo está sofrendo por causa da mineração ilegal no território e a demora na demarcação de terras, conta com mais de 8,8 milhões de visualizações nas redes sociais do Quebrando o Tabu.

Legenda: Alessandra Munduruku em audiência na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
Crédito: Senado Federal

Alessandra tem sido vítima constante de ameaças e por esse motivo é uma liderança com visibilidade entre os atores que atuam pela proteção dos defensores ambientais internacionalmente.

Em 2020, Alessandra Munduruku ganhou o Prêmio Robert Kennedy de Direitos Humanos por seu trabalho em defesa das terras, da cultura e dos direitos dos povos indígenas no Brasil.

“A Alessandra enfrentou heroicamente a intimidação e violência por defender os direitos dos povos indígenas em todo o Brasil — incluindo a capacidade de se opor a projetos e desenvolvimentos que afetam seus povos e seus meios de subsistência. Ela é uma campeã dos direitos das mulheres, dos direitos dos povos indígenas e do direito fundamental de todos os direitos humanos — o espaço cívico.”
(Kerry Kennedy, presidente do Robert F. Kennedy Human Rights)

Seu perfil, @Alkor Ap1, está entre os principais no debate sobre povos indígenas no Twitter nos últimos dois anos — mais em Redes sociais.

Protagonismo e profusão de lideranças femininas

A força, a comunhão e o protagonismo das mulheres indígenas, no plural, foi um outro marco muito frequentemente citado por entrevistados engajados.

A centralidade dos perfis indígenas e a presença expressiva de mulheres indígenas ativistas também são destaques do levantamento da DAPP/FGV sobre a evolução das narrativas nas redes sociais. Essa pesquisa revela e adiciona outras vozes, como a de Alice Pataxó, que não figurou entre os nomes mais citados durante as entrevistas.

“A mulherada tá muito forte. Esse é um movimento sem volta em defesa do território, da terra, das tradições.”
(Cientista)
“Há algo intrinsecamente atraente do ponto de vista da comunicação das vozes femininas nesta agenda. Talvez seja o tipo de ressonância subconsciente com a mãe terra ou atributos femininos, não ameaçadores, acolhedores, associados à não-violência. Eu não sei.”
(Cientista internacional)
“Elas são a grande novidade, pensando na lógica do fortalecimento do movimento. Porque, quando você observa as mulheres nas aldeias, você sente, não precisa ser falado, a relação delas com toda a identidade cultural, com a língua, com as comunidades. É algo muito forte.”
(ONG internacional)
“As mulheres sempre tiveram um papel importante. Mesmo quando elas não apareciam tanto quanto agora, elas já exerciam seu protagonismo e orientavam as decisões: na aldeia, na roça, na educação, na saúde. Enquanto não houvesse um alinhamento com as mulheres, nada prosseguia. Sempre tivemos essa influência nas decisões. Agora isso tem saído mais, porque nos cansamos de ficar nesse papel orientador e passamos para a linha de frente. As mulheres têm despontado com muita força e muita organização.”
(Liderança indígena)
“A ascensão das mulheres no movimento indígena acontece muito a partir da falência da ação das lideranças masculinas. Com as mulheres, não sei se por um sentido maior de urgência, por um olhar mais cuidadoso em prol da comunidade, pela sagacidade. Elas quebram barreiras que limitavam esse potencial de uma narrativa indígena construída para fora. Lá atrás, isso também foi estimulado por organizações internacionais, uma viagem que pedia a presença de uma mulher, um evento que requisitava a participação de uma mulher, isso foi abrindo o espaço para que elas ocupassem posições de liderança.”
(ONG nacional)

Crédito: Instituto Socioambiental (ISA)

Alguns entrevistados apontaram que o protagonismo feminino se constituiu e se fortaleceu à medida que os homens começaram a sair dos territórios e as mulheres passaram a acompanhá-los e passaram a assumir associações indígenas locais. Essas organizações são consideradas transformadoras, porque são núcleos que vão fortalecendo algo que está na base ancestral dos povos indígenas, que é o conceito de comunidade.

“Acho que isso está relacionado a um aumento significativo de indígenas que têm acesso à universidade. Tem quadros novos de jovens indígenas que estão ocupando posições de fala, de liderança, mas também conseguindo ter uma voz mais ampla, ajudados pela tecnologia. E destacaria o papel da mulher dentro de diversas associações indígenas, a mais expressiva mudança nos últimos cinco, seis anos, como a Nara, na Coiab, por exemplo.”
(Doador internacional)

Um número menor de entrevistados dos públicos engajados e interessados no Brasil citou Nara Baré, primeira mulher a liderar a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), responsável pela sua reestruturação e fortalecimento nos últimos anos; e Célia Xakriabá, ativista, primeira mestre de seu povo, atualmente cursando doutorado em Antropologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apresentadora do primeiro podcast indígena do GloboPlay ao lado de Tukumã Pataxó, o “Papo de Parente”, e uma das integrantes da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA).

A ascensão das cacicas como Juma Xipaia, a primeira mulher a liderar uma comunidade Xipaya e uma das lideranças com enorme visibilidade na COP26, e O-é Kaiapó Paiakan, filha de Paulinho Paiakan e recém-filiada à Rede Sustentabilidade, e as lideranças femininas de organizações recentemente estabelecidas em Estados-chave, como Puyr Tembé, da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa) e coordenadora do Comitê Executivo do Fórum Paraense de Mudanças e Adaptações Climáticas, também foram apontadas como parte desse fenômeno, assim como as mulheres pajés.

Reprodução Instagram
Reprodução Instagram
Reprodução Instagram
Reprodução Instagram

Na tese de doutorado “Mapulu, a mulher pajé — A experiência Kamayurá e os rumos do feminismo indígena no Brasil”, de Maria Luiza Silveira, ela afirma que “a liderança e o protagonismo, cada vez mais assumidos pelas mulheres indígenas, colocam muitos desafios para os novos tempos que já se estabelecem. A quebra do monopólio espiritual dos homens ocorre em um cenário de constante mudança. As organizações de mulheres indígenas que se fortaleceram e se multiplicaram nas últimas décadas, incrementadas pelas lutas femininas, dão mostras de mulheres em movimentos de conscientização e luta, compartilhando conhecimentos, com maior trânsito na sociedade brasileira, e com acesso antes restritos aos domínios de poder político como da espiritualidade. (...) É um feminismo que se manifesta na luta diária, que transforma lugares de ocupação. Anteriormente ao surgimento de mulheres pajés, várias mulheres caciques começaram a despontar em aldeias no país, assumindo o comando de suas comunidades. O acesso ao universo do xamanismo dentro do Alto Xingu constitui uma mostra clara da capacidade da mulher inserir-se na esfera do sagrado, em lugares antes destinados aos homens da aldeia”.

Crédito: Projeto Colabora

Em 2018, a mulher pajé Mapulu Kamayurá recebeu o Prêmio Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos. No ano seguinte, ela desenvolveu uma campanha de financiamento coletivo para realizar o “Pajemen”, encontro de pajés, rezadores, raizeiros e parteiras, com agentes de saúde do Alto Xingu, para discutir quais doenças deveriam ser tratadas por médicos e enfermeiras e quais deveriam ser tratadas por pajelança.

Sônia Guajajara também foi lembrada como uma figura central para esse processo.

“A Sônia formou muita gente, deixou muita gente se aproximar. Isso em qualquer área. Ela conseguiu fazer isso muito bem, e inspirando outras mulheres. Claro que não é tudo a Sônia, não quero dizer isso. O movimento de mulheres cresce muito, são muitas lideranças importantes, mas ela é uma liderança decisiva, é preciso valorizar isso. Costumo dizer que daqui a 100 anos a gente vai falar de Sônia Guajajara, assim como falamos de Raoni. Não tenho dúvidas.”
(Ativista)
Legenda: 1ª Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília (DF)
Crédito: Mobilização Nacional Indígena

Liderança global, nosso Nobel da Paz

Logo depois de Sônia Guajajara, o líder indígena Raoni Metuktire e o pensador, escritor e artista Ailton Krenak foram os nomes mais citados por diferentes segmentos de públicos engajados/interessados. Eles foram também dos poucos nomes lembrados por entrevistados dos públicos não engajados.

Raoni foi ainda uma das principais vozes destacadas por entrevistados internacionais, já Ailton Krenak raramente foi mencionado por segmentos entrevistados fora do país. Ambos foram destacados com enorme admiração por indígenas, Ailton Krenak sendo referência e inspiração especialmente entre comunicadores e artistas indígenas.

Raoni foi descrito como alguém que “se posiciona e participa da vida política de forma determinante” e “convoca apoio internacional em momentos críticos da história do país”. Figura pública há muitas décadas, participou ativamente da Constituinte de 1988 e foi o precursor de alianças com ícones pop, mais especificamente com o músico Sting, com quem fez uma campanha com enorme repercussão para levantar fundos para a proteção dos direitos indígenas na Amazônia no fim dos anos 1980.

Crédito: Instituto Socioambiental (ISA)

“O Raoni é aquela liderança com aquela capacidade de negociação e também aquela imponência que é muito própria dos Mẽbêngôkre.”
(Assessora de Comunicação)

Na última década, Raoni esteve à frente de diferentes momentos-chave durante o governo Dilma, de atos contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte a eventos climáticos globais. O líder indígena foi novamente destacado como símbolo da luta indígena quando foi insultado por Jair Bolsonaro na Assembleia da ONU, em 2019.

Neste mesmo ano, Raoni foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz e denunciou o desmonte socioambiental ao presidente da França, Emmanuel Macron, e ao papa Francisco. Em 2020, convocou o histórico Encontro dos Povos Mebêngôkre, que reuniu 600 participantes, para denunciar o ecocídio, o etnocídio e o genocídio promovidos pelo governo brasileiro e, em 2021, denunciou o presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra a humanidade.

“A resposta do Raoni ao Bolsonaro e ele dando conselho para o Joe Biden ficar longe do atual presidente do Brasil são momentos memoráveis."
(Jornalista)
Reprodução Instagram
“Se olharmos as fotos do período constituinte, em 1987 e 1988, os povos indígenas vão estar lá, lá vão estar os Mebêngôkre e lá vai estar, de forma muito bonita, o cacique Raoni, marcando a história do país e o contrato social que o Brasil assumiu ao assinar a Constituição de 1988. O ataque de Bolsonaro ao cacique Raoni é também um ataque ao contrato social que o Estado brasileiro assumiu com os povos indígenas.”
(Gilberto Vieira dos Santos, Cimi, durante o lançamento do relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil — dados de 2018)

Em 2022, o cacique Raoni foi uma das personalidades homenageadas no samba enredo da Gaviões da Fiel. Também é aguardado o lançamento do livro “Memórias, de Cacique Raoni”, pela Companhia das Letras, e de novo documentário sobre o líder indígena, numa coprodução da Globo Filmes, GloboNews, Canal Brasil e Indiana Produções, a ser dirigido pelo mesmo diretor que há mais de 40 anos foi indicado ao Oscar de Melhor Documentário com Raoni, o belga Jean-Pierre Dutilleux.

Legenda: Instalação Raoni, de Gilvan Barreto, na Virada Sustentável, no Parque Lage, no Rio de Janeiro (RJ)
Crédito: Gilvan Barreto

Adiando o fim com erudição e originalidade

Liderança icônica desde a Assembleia Constituinte, Ailton Krenak assumiu uma nova dimensão com sua vigorosa produção intelectual nos últimos anos. Com obras e falas com críticas poderosas ao modelo de sociedade brasileira e global e aos tempos atuais, com referências contemporâneas das mais diversas e valorização do pensamento e modos de vida dos povos indígenas, é autor, entre outros, dos best sellers “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” e “A Vida Não É Útil” — mais em Arte, cultura e entretenimento.

O pensador indígena fez parte da chamada 'livesfera' de intelectuais públicos relevantes durante a pandemia, como destacaram alguns entrevistados, e recebeu o Prêmio Juca Pato de Intelectual do ano em 2020. Em entrevista ao Conexão Planeta, Ailton elogiou a União Brasileira de Escritores (UBE) pelo reconhecimento da “oralidade como uma expressão da literatura que não se avalia pelo rigor da gramática”.

Crédito: Companhia das Letras

“Ailton é um fenômeno, é quem consegue fazer melhor a ligação entre o passado, o presente e o futuro.”
(Cientista política)
“Ailton Krenak é uma celebridade. Ele não é uma celebridade nível BBB, mas ele é uma celebridade, tem um lugar midiático de destaque no Brasil. As pessoas amam, admiram, olham ele hoje como um intelectual. Isso é muito legal, é uma mudança. E ele não é uma pessoa que está pensando só nas questões do Brasil, ele está elaborando questões que são importantes para o mundo, para os tempos atuais.”
(Jornalista)
“O Ailton e suas ideias para adiar o fim do mundo são um fenômeno. Ele é o ‘guru da quarentena’. Todo dia tem uma live ao menos com ele. Muito generoso o que ele vem fazendo, de colocar suas ideias à disposição de muita gente.”
(Escritora/cineasta)
“Ailton tem uma sofisticação verbal muito específica, muito particular, um grau de elaboração do pensamento filosófico, que é para poucos. Ele vem resistindo e existindo em território não indígena, em territórios associados ao poder, à branquitude, há décadas."
(Produtor cultural)

A pesquisa da DAPP/FGV identificou que um dos vídeos de maior popularidade no YouTube sobre povos indígenas foi o Roda Viva com Ailton Krenak, de maio de 2021, que conta hoje com mais de 330 mil visualizações — mais em Campanhas de comunicação e em Redes sociais.

Crédito: TV Cultura

Além disso, o discurso de Ailton na Assembleia Constituinte foi uma das imagens mais citadas por entrevistados de públicos engajados/interessados — mais em Imagens icônicas.

Em dezembro de 2021, Ailton Krenak recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade de Brasília. O reconhecimento é concedido para personalidades que tenham se destacado por seu saber ou por sua atuação em prol das artes, das ciências, da filosofia, das letras ou do melhor entendimento entre os povos. Ele, que já tinha recebido o título de doutor honoris causa da Universidade Federal de Juiz de Fora, em 2016, é agora doutor honoris causa multiplex.

Diplomacia Yanomami sustentando o céu

O líder indígena e xamã Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami, novo membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), foi um outro nome entre os mais aclamados por públicos engajados/interessados, especialmente antropólogos, jornalistas, cineastas e artistas, também muito destacado por entrevistados fora do país.

No fim da década de 1970, Davi Kopenawa, que viu de perto familiares morrerem de doenças vindas do contato com não indígenas, foi um dos fundadores da Comissão Pró-Yanomami (CCPY), responsável pela campanha em defesa da demarcação da Terra Indígena Yanomami, concluída em 1992.

Por sua “corajosa determinação em proteger as florestas e a biodiversidade da Amazônia, e as terras e a cultura de seus povos indígenas”, recebeu o Right Livelihood Award, ou o Nobel alternativo, em 2019.

Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil

Além da luta incansável contra o garimpo nas terras indígenas Yanomami, Davi Kopenawa é autor, junto do antropólogo Bruce Albert, do livro “A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami”. O xamã é também corroteirista do premiado documentário “A Última Floresta'', dirigido por Luiz Bolognesi, o filme brasileiro mais premiado em 2021 — mais em Arte, cultura e entretenimento.

“Davi Kopenawa Yanomami tornou-se uma figura pública por causa da publicação de ‘A Queda do Céu’. O livro ressoou muito no meio intelectual e ele se encaixa na narrativa que os povos indígenas têm uma percepção, um pouco diferente da ciência, mas aguda sobre o risco do fim do planeta e que a floresta sofre com essa aceleração toda da economia, globalização, ocupação da floresta.”
(Jornalista)
“A obra dele com o Bruce Albert, A Queda do Céu’, é um marco épico da antropologia mundial, sem dúvida. O livro traz um debate com uma profundidade, ele tem percorrido o país falando do trabalho dele. A obra dele tem um impacto muito grande nas universidades brasileiras na área de Humanas, né?”
(Assessora de Comunicação)
Créditos: Companhia das Letras
Créditos: A Última Floresta/Divulgação
Créditos: A Última Floresta/divulgação
Créditos: A Última Floresta/divulgação

Em outubro de 2021, Davi Kopenawa foi eleito membro colaborador da Academia Brasileira de Ciências (ABC), ocasião em que foi saudado pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro: “Davi Kopenawa tem desempenhado, com uma constância e uma determinação impressionantes, múltiplos papéis de relevância estratégica na presente conjuntura planetária. Primeiramente, como um dos xamãs de seu povo, ele exerce funções de diplomata (no sentido de Bruno Latour), ao negociar a aliança, a paciência e a benevolência dos representantes espirituais dos inumeráveis seres e fenômenos do cosmos, procurando assim garantir a frágil estabilidade de urihi, o “mundo-floresta”, nome yanomami para o que chamamos “natureza” — ou deveríamos dizer, o mundo-que-resta: “a última floresta”. Em seguida, em sua função de profeta — não temamos a palavra —, Davi é um mensageiro das potências extramundanas que sustentam a terra; é um anunciador do que o mundo fará em resposta ao que fazemos com ele; é um acusador da opressão política, da devastação ambiental e do genocídio deliberado de que os Yanomami e os demais povos indígenas vêm sendo alvo crescente no Brasil, em especial depois da ascensão de um governo dedicado ao extermínio, à destruição completa de todo valor existencial não monetarizável e de todo afeto ativo (no sentido espinosista da expressão). Nesta função profética, Davi é também um líder e um organizador da resistência yanomami contra o poder de captura espiritual dos jovens de seu povo pela magia branca, aquilo que Pignarre e Stengers chamaram de feitiçaria capitalista. Por fim, como antropólogo — e portanto como titular pleno da condição de “cientista social” — Davi se revelou não só um expositor admirável da ossatura cosmológica da vida yanomami, como também um dos etnógrafos mais argutos da sociedade e da cultura do ‘povo da mercadoria’, um dos etnônimos com que os Yanomami se referem a nós, os brancos, aquele povo que, como disse memoravelmente Kopenawa, ‘dorme muito, mas só sonha consigo mesmo’. Ninguém captura melhor a fenomenologia do espírito do capitalismo que um observador radicalmente exterior a ele, sobretudo quando é alguém de um povo que está sofrendo suas piores consequências”.

No início de 2022, Davi Kopenawa escreveu um artigo publicado no UOL, A Mãe-Terra pede Socorro, no qual afirma que o povo da cidade não escuta que o planeta pede para que a floresta seja protegida, pergunta por que as autoridades estão deixando os Yanomami morrerem e avisa que neste ano só vai dar conselhos a quem apoia os povos indígenas.

Crédito: Amazônia Real

MUITAS NOVAS VOZES EMERGENTES E OS NOMES CONSAGRADOS

Assim como o protagonismo feminino, uma outra novidade dos últimos anos celebrada por públicos engajados/interessados foi a quantidade e a diversidade de novas vozes, da incidência local à internacional, no movimento político e fora dele, em vários campos de conhecimento, nas artes, nas telas, na moda, fazendo música e tanto mais.

“O que a gente tem visto acontecer é a emergência de diversas lideranças indígenas, intelectuais indígenas, escritores indígenas, artistas indígenas, cineastas indígenas, pesquisadores indígenas na academia, e o movimento indígena muito ativo, conduzido por novas gerações.”
(Curador)
“Atualmente, você tem um número muito maior e muito mais espalhado, uma emergência de jovens lideranças indígenas interessantes, indo desde o interior do Ceará até a Amazônia, do Rio Grande do Sul a Minas Gerais. Um pessoal que tem uma capacidade de vocalização muito expressiva. Falando, e falando com qualidade, e capazes de traduções muito interessantes entre os dois mundos.”
(ONG nacional)

Os artistas indígenas Denilson Baniwa e Jaider Esbell (falecido em 2021) foram nomes destacados, em particular por entrevistados do campo das artes e da academia, e descritos como parte de um dos mais "extraordinários", “bem-vindos”, “bonitos” e “estupendos” acontecimentos da última década.

Por seu “pioneirismo”, por “obras sólidas, arrojadas”, “por produção abundante e contínua” e “trocas generosas com as novas gerações”, por “serem nossos expoentes”, os escritores indígenas Daniel Munduruku e Eliane Potiguara também foram bastante lembrados, assim como festejados e descritos como referências e inspirações por jovens indígenas, assim como o antropólogo, indigenista e documentarista franco-brasileiro Vincent Carelli, criador do “Vídeo nas Aldeias” — mais em Arte, cultura e entretenimento.

Crédito: Reprodução Instagram
Crédito: Wilson Dias/Agência Brasil
Crédito: Elisabete Alves, Ministério da Cultura
Crédito: Rafaela Campos
Crédito: Rafaela Campos

A explosão de estudantes que chegaram às universidades, da graduação à pós-graduação, por meio de políticas de ação afirmativa, foi apontada como uma das grandes novidades desta década — mais em Dados, estudos e sistemas de conhecimento.

“Tem uma leva de juventude que sai da academia e vem lutar com seu povo. Por exemplo, o dr. Eloy Terena, ou a Tsitsina Xavante, que é uma indígena que leva nossa voz à ONU.”
(Liderança indígena)

O advogado Eloy Terena foi um dos exemplos mais citados como decorrente do processo do acesso à universidade. Eloy, que é o atual coordenador jurídico da Apib, cursou Direito na Universidade Católica Dom Bosco com bolsa integral por meio do Programa Universidade para Todos (Prouni) e posteriormente doutorado em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), em Paris.

Em 2020, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) concedeu menção honrosa à sua tese, “Vukápanavo — O despertar do povo Terena para os seus direitos: movimento indígena e confronto político”.

“O Eloy Terena é um negócio. Ninguém mais fala pelos indígenas. Um advogado com doutorado em antropologia social, superqualificado.”
(Jurista)
“Ele está fazendo um trabalho fantástico. Queremos o Eloy como ministro do Supremo."
(Liderança indígena)

Justamente por essa ação, Eloy recebeu o Prêmio de Direitos Humanos 2021 concedido pela Secretaria de Direitos Humanos de Mato Grosso do Sul.

João Paulo Tukano, primeiro indígena a defender doutorado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), foi o nome mais compatilhado por antropólogos, e a defesa da sua tese, "Kumuã na kahtiroti-ukuse: uma 'teoria' sobre o corpo e o conhecimento-prático dos especialistas indígenas do Alto Rio Negro", divulgada com entusiasmo nas redes sociais.

Muitos outros nomes foram pontualmente destacados. Durante o programa Roda Viva, a estudante de Direito Txai Suruí, criadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, única brasileira a fazer um discurso na abertura oficial da COP26, falou sobre as vozes normalmente ouvidas.

“Essa questão da Greta é para a gente pensar em como as coisas são pautadas. Essa colonização ainda ficou, até das vozes que são ouvidas. A Greta é uma menina maravilhosa, tive o prazer de conhecê-la, mas ainda é uma menina branca do Norte Global e nós estamos aqui, há muito tempo, falando e lutando todos os dias por aquilo que ela está falando e não temos a mesma visibilidade.”

Legenda: Trecho da entrevista da Txai Suruí no Roda Viva

Crédito: TV Cultura

Em um evento pré COP26 organizado pela Amazônia Real, João Paulo Tukano, afirmou ser importante também ouvir e consultar os mais velhos e os mais sábios. “Eu gostaria muito que esses grandes debatedores de mudanças climáticas pudessem dispor o seu tempo para ouvir os nossos especialistas indígenas, os pajés.”

Pontes com ambientalistas, cientistas e agora também com os artistas

Um número maior de artistas e celebridades envolvidos em causas socioambientais também foi apontado como um ganho muito importante nesses últimos 10 anos, ainda que o engajamento dos artistas tenha sido descrito por alguns entrevistados como “superficial”, "esporádico", “elitista”, “pouco coordenado” e “reativo” — mais em Campanhas de comunicação.

Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Gadú, Anitta e Gisele Bündchen foram os nomes mais lembrados e, claro, Leonardo DiCaprio.

Crédito: If Not US Then Who

As publicações sobre povos indígenas com mais interações foram predominantes em perfis de celebridades no Instagram a partir de 2017, segundo o levantamento da DAPP/FGV. Além de Gisele Bündchen e Caetano Veloso, diversos outros nomes foram destacados, como Alessandra Negrini, Luciano Huck, Cauã Reymond, Fernanda Lima, Camila Pitanga, Paolla Oliveira, Leandra Leal, Mônica Iozzi, Babu Santana e Gaby Amarantos.

“Esse é um dos segmentos hoje com mais poder de influenciar a agenda pública no Brasil. Os artistas têm uma contribuição diferenciada, a possibilidade de tocar inclusive pessoas mais tradicionais e conservadoras e trazê-las para a causa.”
(Cineasta)
“Tem celebridades, artistas como Anitta, que entram nesse debate com milhões de seguidores e colocam a discussão em evidência, e fazem o contraponto em massa ao pensamento da direita bolsonarista. Eu acho que tem um elemento novo que está em ebulição, mas fundamental.”
(ONG nacional)
“A relação com os artistas tende a se ampliar, porque muitos têm expressado seu posicionamento político, e estão aparecendo mais. A conjuntura atual está obrigando as pessoas a se posicionar, até porque o não posicionamento é uma indicação de que lado você está. A neutralidade fala por si só. A causa ambiental aproximou muita gente, e isso é positivo graças, também, ao alcance dessas celebridades. E hoje quando falamos do meio ambiente no Brasil falamos também sobre o apoio à causa indígena.”
(Liderança indígena)
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja

Algumas pessoas levantaram questões sobre “celebrizar as causas”, “pregar aos convertidos”, e um número reduzido de entrevistados destacou ser importante “ampliar o leque e formas de apoios dos artistas” e “diversificar os gêneros musicais e linguagens estéticas”.

“Precisa ser menos elitizada. Precisa ter cantores sertanejos, cantores gospel, precisa ter outras referências culturais da população brasileira ligadas a essa agenda.”
(ONG nacional)
“Caetano fala disso e é conhecido, maravilha, mas me parece que quem escuta ele já faz parte de uma parcela mais progressista da sociedade, que já está de acordo com o que ele diz. Acho que a gente deveria sair desse mundo de elite artística. Ao mesmo tempo que, se houver uma pessoa no meio desses públicos que não tem essa sensibilidade com a causa, pode ser que seja uma pessoa a mais que ganhamos nessa causa.”
(Cineasta)
“Acho essa coisa quase meio Sebastião Salgado, precisar de alguém, precisar de celebridades. Mas esse é o mundo que a gente vive, né? Mesmo assim, dá um desânimo. Precisa mesmo ter uma atriz falando?”
(Editora)

A ex-senadora e ex-ministra de Meio Ambiente Marina Silva foi citada por representantes de diversos segmentos, especialmente por alguns dos cientistas políticos. Ela foi considerada uma pessoa central na elaboração de políticas inéditas e inovadoras para os povos tradicionais durante o primeiro mandato do governo Lula.

Além disso, foi elogiada pela posição contrária à construção de Belo Monte e por ser uma representante dos povos tradicionais que se tornou uma figura de peso na cena política do país, ainda que atualmente não faça parte da vida político-partidária. Por sua trajetória, por sua religiosidade e por sua linguagem, alguns entrevistados disseram que seria a figura icônica dos povos tradicionais com mais possibilidade de chegar e envolver segmentos da sociedade brasileira distantes desses temas.

O perfil de Marina Silva no Facebook está também entre os que mais acumularam engajamento em posts sobre povos indígenas na última década.

Reprodução Instagram
“Quem me chamou muita atenção para esses temas foi a Marina, só depois eu fui atrás de dados, de estudos."
(Cientista política)

Apesar do pessimismo e da desesperança sobre o papel e a importância dada para a ciência pela sociedade brasileira presentes em algumas entrevistas, Carlos Nobre foi o cientista mais lembrado e descrito pelos públicos engajados como “respeitado”, “ativo”, “influente”, no Brasil e internacionalmente, com bastante visibilidade na imprensa e entre formadores de opinião pelo trabalho que vem fazendo em defesa da Amazônia e que inclui propostas que destacam a importância dos povos tradicionais e envolvem lideranças indígenas, como a iniciativa Amazônia 4.0 e a elaboração do relatório do Painel Científico para a Amazônia, lançado que no fim de 2021.

Carlos Nobre foi também citado por representantes do agronegócio. As principais vozes reconhecidas por esse setor ligadas à agenda climático-ambiental foram Tasso Azevedo, Marcelo Furtado e Roberto Waack.

Em 2021, Carlos Nobre foi o primeiro brasileiro a receber o Prêmio de Diplomacia Científica da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, sigla em inglês) por seu “trabalho ao longo de toda a carreira para entender e proteger a biodiversidade e os povos indígenas da Amazônia''.

Um número reduzido de entrevistados chamou a atenção para a falta de figuras públicas, lideranças cívicas, apoiadoras da causa, no Brasil.

“Um dos problemas do Brasil é que não temos muitas lideranças cívicas no país. Às vezes, surge um Guilherme Leal, mas precisava de centenas de Guilhermes."
(ONG nacional)

Entre os indígenas, uma minoria afirmou ser importante diversificar ainda mais as vozes com mais visibilidade. “São sempre os mesmos que falam. Há figuras muito interessantes em todo o canto.”

Reprodução Twitter

Representatividade atribuída à Funai e a ONGs

Entre os entrevistados de públicos não engajados, há enorme desconhecimento e ausência de referências de indígenas em cenários públicos e políticos.

“Não vejo ninguém ainda de grande relevância falando nisso.”
(Economista)
“Eu leio o jornal todo dia, pelo menos dois, Estadão e Valor, todo santo dia, eu monitoro Brasília todo santo dia, mas não está no meu radar (...) não me vem um nome, uma figura. Normalmente você sabe, você sabe quem são os representantes da Febraban, os representantes das indústrias, você sabe quem está defendendo os uberistas, os taxistas, mas e os indígenas? Eu não sei.”
(Empresário)

Foram raras, entretanto, as menções a nomes específicos. Os nomes mencionados por economistas, lideranças políticas, empresários e jornalistas regionais coincidem com os mais destacados por públicos engajados/interessados: Cacique Raoni, Sônia Guajajara foram os mais citados, seguidos pelo Ailton Krenak, Joênia Wapichana e Davi Kopenawa. Esses entrevistados, e não só eles, tiveram dificuldade em se lembrar, reproduzir os nomes de povos que as lideranças adotam como sobrenome.

Os formadores de opinião com contatos eventuais com os povos tradicionais — políticos e jornalistas regionais — foram os que apresentaram mais referências e os que demonstraram possuir melhor entendimento da capacidade de organização desses atores.

“Se a gente olhar para os povos indígenas, tem um crescimento grande de mulheres líderes nesta discussão, como a Joênia, a Sônia Guajajara. A própria discussão do marco temporal mostra a organização deles. Mesmo antes do marco temporal é muito comum ver grupos indígenas dentro da Câmara dos Deputados, participando de sessões, comissões. Acho que tem uma organização sim.”
(Deputada federal)
“Eu sinto que há vozes, mas são vozes ainda insuficientes para a sua cultura, para a sua história. São 513 deputados federais e só uma Joênia.”
(Deputada federal)

O mais comum, entretanto, foi atribuírem a representatividade destes povos a agentes institucionais não indígenas — Funai, ONGs, grupos religiosos e antropólogos — mais em Principais organizações.

Principais Organizações