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A campanha mais lembrada e elogiada pelos públicos engajados/interessados foi “Menos Preconceito, Mais Índio”, do Instituto Socioambiental (ISA), de 2017. “O ISA fez um vídeo incrível, desfazendo o mito de que os povos indígenas não podem evoluir, não podem usufruir os benefícios da tecnologia. Ainda não houve esforço suficiente para dissipar a narrativa de que os povos indígenas são contra o desenvolvimento ou de que são menos autênticos se fazem uso de alguns dos nossos avanços tecnológicos."
A segunda campanha mais lembrada foi “Somos Todos Guarani Kaiowá”, desencadeada por uma carta de 170 indígenas, na qual pediam a morte coletiva dos Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay, após pedido para que desocupassem uma área ainda não demarcada em Mato Grosso do Sul. Além do acréscimo de Guarani-Kaiowá ao sobrenome de usuários do Facebook, posts e twitaços com as hashtags “#SomosTodosGuaraniKaiowá” e #SouGuaraniKaiowá, diversos atos públicos foram organizados em cidades brasileiras e fora do país e uma petição da Avaaz reuniu quase 350 mil assinaturas.
A terceira campanha mais citada foi a “É a Gota d’Água+10", que reuniu em uma única peça diversos artistas globais, como Juliana Paes e Marcos Palmeira, questionando a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. O abaixo-assinado pedindo a paralisação da obra reuniu mais de 2,5 milhões de assinaturas. A campanha não deteve a construção de Belo Monte, mas o movimento criado acabou se desdobrando na organização Uma Gota no Oceano, agora com 10 anos.
A participação de artistas e celebridades foi identificada como fundamental para maior visibilidade das campanhas junto ao grande público e como fator determinante para interromper a votação dos projetos de lei contrários ao meio ambiente e aos direitos de povos indígenas nos últimos anos.
A linguagem de algumas peças de comunicação foi descrita por entrevistados, especialmente por artistas, como “excessivamente estetizadas” e “distantes da realidade dos povos indígenas”. Outras pessoas pontuaram que as campanhas precisam produzir brilho nos olhos e não sensação de culpa. “A maioria das pessoas se fecha pra isso.”
Foram compartilhadas ainda questões sobre o uso de termos pouco compreendidos pela sociedade em campanhas, como “marco temporal”, “demarcação de terras”, “grilagem”. Simplificá-los e debatê-los com a sociedade “seria um modo de ultrapassar as bolhas em que a gente vive”. Atualmente, “são campanhas que circulam nos mesmos lugares, grupos, pessoas. Não saem daquele clube. Uma das coisas que é urgente é que os movimentos, redes, observatórios, entrem em contato com outros movimentos. As campanhas precisam alcançar e pensar também nas áreas rurais, dialogar com as populações das periferias do país”.
Várias pessoas destacaram a importância de expandir a elaboração de campanhas para além do eixo Rio-São Paulo, pensando nas populações da “região amazônica” e de “outras regiões do país”.
“Demarcação Já!”, “Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais” e a campanha contra a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) também foram mencionadas por terem sido lideradas pelo movimento indígena ou por vitórias, ainda que temporárias.
Mesmo não ligada diretamente aos povos indígenas, a campanha da Rede Globo “Agro: A indústria-riqueza do Brasil” foi mencionada por entrevistados para pontuar a ausência de uma campanha que se iguale a essa em termos de meios, estrutura, grandiosidade, orçamento e duração. “A afirmação ‘O agro é pop’ pelas redes de televisão é violenta e não deveria existir, uma vez que TVs são concessões públicas.”
Diversas peças de campanhas e de comunicação foram testadas entre os públicos formadores de opinião não engajados e a população geral. As narrativas e o protagonismo dos próprios indígenas, especialmente das mulheres, foram bastante valorizados, assim como os cenários reais, que aumentam a credibilidade. No caso dos formadores de opinião, há interesse também por vozes que apresentem perspectivas complementares aos dos povos indígenas, como as de cientistas e de especialistas.
A apresentação da diversidade de culturas e saberes indígenas desperta respeito e interesse. As peças que desmistificam estereótipos e apresentam os povos indígenas em cenários e comportamentos atuais foram muito bem aceitas e consideradas esclarecedoras, elucidativas. O uso do humor é bem-vindo, mas o sarcasmo tende a ser rejeitado e considerado ofensivo. As propostas que evocavam a ideia de “nós contra eles”, “vilões e heróis” geram desconforto e despertam sentimentos de culpa, tristeza e impotência.
Mergulhe aqui!
Para os públicos engajados/interessados, perguntamos se e de quais campanhas produzidas na última década se lembravam e consideravam que tinham sido as mais importantes. Os entrevistados de públicos não engajados foram convidados a assistir e comentar peças de campanhas já realizadas.
A campanha mais lembrada e elogiada pelos públicos engajados/interessados foi “Menos Preconceito, Mais Índio”, a primeira para tevê e cinema do Instituto Socioambiental (ISA), lançada em 2017.
Crédito: Instituto Socioambiental (ISA)
Com criação da JW Thompson e produção da Pródigo Filmes para o ISA, a peça convidava os brasileiros a olhar os indígenas com mais generosidade, respeito e sem preconceito, como detalhado no site da campanha: “Muitos índios sofreram críticas e agressões simplesmente por terem incorporado hábitos e tecnologias não indígenas ao seu dia a dia, como se, para ter suas identidades respeitadas, precisassem viver parados no tempo, em um museu. Os índios, como cada um de nós, são donos de suas identidades e incorporam o que quiserem do mundo que os rodeia, sem deixar de ser índios. Se você não é mais igual aos seus tataravós e não tem sua identidade questionada por isso, por que os índios não podem também mudar e ainda assim continuar sendo índios com todos os seus direitos respeitados?”
Diversos entrevistados da sociedade civil disseram exibir o filme em cursos, em reuniões e até mesmo distribuí-lo em grupos no WhatsApp. Mesmo assim, muitos levantaram questões sobre o alcance da campanha, seja pela curta duração e pelos canais de exibição, seja pela ausência de um call to action e de ações complementares a essa peça. Também não pareciam ter conhecimento de inserções da campanha em canais de TV e nos cinemas.
#SomosTodosGuaraniKaiowá
A segunda campanha mais lembrada foi Somos Todos Guarani Kaiowá.
A onda de solidariedade no Brasil e internacionalmente foi desencadeada por uma carta da comunidade de Pyelito Kue/Mbarakay, após pedido para que desocupasse uma área ainda não demarcada em Iguatemi, em Mato Grosso do Sul, na fronteira com o Paraguai.
Na carta, 170 indígenas, 50 homens, 50 mulheres, 70 crianças, afirmavam: “Moramos na margem do rio Hovy há mais de um ano e estamos sem nenhuma assistência, isolados, cercado de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Passamos tudo isso para recuperar o nosso território antigo Pyelito Kue/Mbarakay. De fato, sabemos muito bem que, no centro desse nosso território antigo, estão enterrados vários dos nossos avôs, avós, bisavôs e bisavós, ali estão os cemitérios de todos nossos antepassados. Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje. Por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui.
Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação e extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais. Já aguardamos esta decisão da Justiça Federal. Decretem a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e enterrem-nos aqui. Visto que decidimos integralmente não sairmos daqui com vida e nem mortos”.
Além do acréscimo de Guarani-Kaiowá ao sobrenome de usuários do Facebook, posts e twitaços com as hashtags “#SomosTodosGuaraniKaiowá” e #SouGuaraniKaiowá, diversos atos públicos foram organizados em cidades brasileiras e fora do país e uma petição da Avaaz reuniu quase 350 mil assinaturas.
No artigo “O Dia em que o Mundo Virou Guarani-Kaiowa”, o antropólogo Spensy Pimentel explica: “com o apoio do Fundo, Tonico Benites conseguiu levar um pouco do olhar indígena sobre essa tragédia que já dura décadas. Com muito pouco, foi possível operar uma pequena revolução na percepção brasileira sobre o que acontece ali. Os problemas dos Guarani-Kaiowá seguem sem solução – mas já é um grande passo que não se possa mais atacar ou ameaçar um acampamento indígena sem causar um grande barulho na sociedade civil brasileira e internacional. Seja no front de Mato Grosso do Sul ou na internet, onde milhares de pessoas hoje atuam para difundir informações e pressionar as autoridades, a luta continua.”
Em 2013, diante da repercussão do caso, a Funai publicou um relatório que identificou e delimitou a Terra Indígena Iguatemipeguá I, onde viviam os Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay. Também em 2013, o Facebook passou a impedir que os usuários mudassem seu sobrenome para Guarani-Kaiowá.
O levantamento da DAPP/FGV sobre as redes sociais identificou que, entre 2015 e 2018, houve uma intensificação de campanhas digitais em torno do povo Guarani-Kaiowá. Em todo o período, foram coletados mais de 17 mil posts, que somaram mais de 1,5 milhão de interações. O tema obteve maior destaque no segundo semestre de 2015, com publicações do então deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) e de organizações como Cimi, Greenpeace, Mídia Ninja e Anistia Internacional.
Em 2016, foi finalizado “Martírio”, documentário de Vincent Carelli que retrata a luta dos Guarani-Kaiowá pela reconquista de seus territórios e que recebeu, entre outros, o prêmio de melhor filme pelo júri popular e o prêmio especial do júri oficial no Festival de Brasília, o prêmio de melhor documentário na 40ª Mostra de Cinema de São Paulo e o prêmio de melhor filme latino-americano no Festival de Mar Del Plata – mais em Arte, cultura e entretenimento.
Em entrevista à revista Trip em 2017, Vincent Carelli, em resposta à pergunta sobre o fato de muita gente não ter entendido o significado daqueles sobrenomes no Facebook e sobre a falta de informação sobre a situação indígena no Brasil, afirma: “Sem dúvida, porque a mídia hegemônica não fala de índio, virou um tema tabu. É algo que circula nas redes sociais, ou melhor, circula na minha rede social, porque fica restrito a uma bolha. Tudo isso me motivou a fazer Martírio: a necessidade de esclarecer esse drama. Aqui não é a Síria, não é possível esses homicídios à bala em pleno século 21!”
Já em 2021, a Aty Guasu, junto com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Rede de Apoio e Incentivo Socioambiental (Rais), lançou o documentário “Tempo de Guavira”, no qual mais de 40 depoimentos indígenas compõem as narrativas de recuperação dos seus tekoha (“o lugar onde somos o que somos”) em Mato Grosso do Sul. Entre novembro e dezembro de 2018, durante o tempo de amadurecimento da guavira, fruta tradicional para os Kaiowá e Guarani, uma equipe de pesquisadores indígenas e não indígenas realizou trabalho de campo e registros audiovisuais em 46 dessas terras, em particular as que ainda não foram demarcadas.
ARTISTAS GLOBAIS NA LUTA CONTRA BELO MONTE
A terceira campanha mais citada foi a “É a Gota d’Água+10" , do Movimento Gota d'Água, criado com o objetivo de envolver a sociedade brasileira na discussão sobre o planejamento energético do Brasil.
A principal peça da campanha, um filme dirigido pelo cineasta Marcos Prado, diretor de “Estamira”, “Ônibus 174” e “Os Carvoeiros”, reuniu artistas globais, como Juliana Paes, Marcos Palmeira, Maitê Proença, Isis Valverde e Ary Fontoura, que questionavam a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte – mais em Eventos e momentos marco.
Crédito: Uma Gota no Oceano
O abaixo-assinado da campanha, pedindo a paralisação da obra, reuniu mais de 2,5 milhões de assinaturas e foi entregue aos ex-ministros Gilberto Carvalho (Casa Civil), Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e Edison Lobão (Minas e Energia), em dezembro de 2011.
A campanha foi lembrada pelo peso e engajamento dos artistas envolvidos, pela novidade que isso representava na época, pela mobilização nacional e internacional e pelo debate que gerou sobre a usina hidrelétrica na grande imprensa.
A campanha não deteve a construção de Belo Monte, mas a campanha criada pelo ator Sérgio Marone e pela jornalista Maria Paula Fernandes acabou se desdobrando na organização Uma Gota no Oceano, que apoia movimentos sociais na elaboração de estratégias de comunicação para ampliar a empatia e solidariedade ativa da sociedade brasileira com causas socioambientais e que, em 2021, completou 10 anos de existência.
A movimentação contrária à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte foi observada na análise da DAPP/FGV sobre as redes sociais. O perfil da Uma Gota no Oceano ganhou destaque nos anos de 2014 e 2015, com atividade muito expressiva no Instagram.
A resistência e oposição à usina hidrelétrica continuam vivas, como detalhado em Eventos e momentos-marco.
Tapajós Livre!, causas e celebridades
A campanha contra as usinas hidrelétricas no Tapajós do Greenpeace Brasil também foi citada por entrevistados engajados/interessados.
A campanha, que reuniu mais de 1,2 milhão de assinaturas contra a construção das hidrelétricas, contou com a organização de diversos protestos, arte urbana e adesão de artistas e celebridades nacionais e internacionais. Além disso, pesquisadores elaboraram uma análise do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da hidrelétrica, mostrando a inviabilidade do empreendimento.
O levantamento da DAPP/FGV sobre as redes sociais identificou a luta dos Munduruku contra a construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós como um dos destaques do período de 2011 a 2014.
Crédito: Greenpeace Brasil
Em agosto de 2016, o Ibama anunciou o cancelamento do processo de licenciamento da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós.
A participação de artistas e celebridades foi identificada como fundamental e o principal fator para maior visibilidade às campanhas junto ao grande público e como fator determinante, ainda que frágil, para interromper a votação dos projetos de lei contrários ao meio ambiente e aos direitos de povos indígenas nos últimos anos.
Entretanto, algumas pessoas consideram que o engajamento dos artistas ainda é “superficial”, “esporádico”, “disperso”, “tímido”, e que as campanhas são “reativas”, “emergenciais”, “pouco planejadas”.
Crédito: Alessandro Molon
A pesquisa "Juventude e Democracia na América Latina", encomendada pela Luminate, lançada no início de 2022, aponta que os jovens brasileiros entre 16 e 24 anos estão moldando as suas posições políticas por meio de influenciadores que seguem no TikTok, Instagram, YouTube e Twitter.
Crédito: Global Citizen
#ForaGarimpoForaCovid, novas estéticas e diferentes linguagens
Também de acordo com o levantamento da DAPP/FGV, a hashtag #ForaGarimpoForaCovid foi uma das campanhas com grande repercussão nas redes, contando com um alcance potencial de 2,5 milhões de usuários. O alto alcance potencial esteve relacionado aos perfis com grande número de seguidores que se engajaram na campanha, como a cantora e ex-BBB Karol Conká.
Nem todos, entretanto, gostaram da peça “A Mensagem do Xamã”, parte da campanha, que foi atribuída ao ISA.
Crédito: Instituto Socioambiental (ISA)
A linguagem estética predominante em peças de comunicação, não apenas de campanhas do ISA, foi descrita por alguns dos entrevistados como “excessivamente estetizadas”, “alheias” e “distantes do Brasil e da realidade dos povos indígenas”.
As campanhas precisam produzir brilho nos olhos
Outros entrevistados, em particular os nomes ligados à arte e cultura, acham que tem sido dada muita ênfase à resistência e à luta política e pouca atenção à beleza, à riqueza e à diversidade cultural dos povos indígenas e comunidades tradicionais, questão já levantada em Cobertura da grande imprensa.
Foram compartilhadas também questões sobre a linguagem usada nas campanhas e sobre o uso de termos e jargões pouco compreendidos pela sociedade, como “marco temporal”, “demarcação de terras”, “grilagem de terras”.
Algumas entrevistas com os públicos não engajados foram feitas durante a votação da tese do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Entre os entrevistados da população geral, poucos se lembraram de notícias a respeito e, para a grande maioria, esse tema teve de ser explicado.
Legenda: Fatos Florestais: Grilagem de terras
Crédito: Observatório do Clima
Brasil além de SP, Amazônias, Demarcação Já!
Várias pessoas destacaram a importância de expandir a elaboração de campanhas e projetos de comunicação para além do eixo Rio-São Paulo, pensando esses temas para as populações na “região amazônica”, “nas cidades amazônicas”, “nas áreas de fronteira”, no “interior”, em “outras regiões do país”.
No artigo “Por que as marcas ainda têm medo do Brasil?”, Cristiane Scaff, da Inesplorato, afirma: “na ânsia de falar com todos os brasileiros, é muito comum que comunicações sejam elaboradas a partir do que chamamos de ‘paulistite’, a visão míope que limita o Brasil pelo viés cosmopolita de São Paulo. (...) Esse descompasso com o contexto nacional não só provoca a desconexão dos brasileiros com muitas marcas, como também é um sintoma de um problema muito maior: o nosso alheamento em relação ao país. (...) Ao longo dos anos, sentimos que o olhar colonizado ainda prevalece nas empresas: o repertório publicitário ainda é muito alimentado pelos Estados Unidos e Europa; os códigos para a construção do que é aspiracional ainda transpiram estrangeirismos; até mesmo as ditas ‘tendências de comportamento’ usam e abusam do inglês. O país tem muito a oferecer, mas é preciso descolonizar o olhar”.
“Demarcação Já!” e “Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais”, a campanha contra a extinção da Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados) e contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que altera a Constituição para transferir o poder de demarcação de terras indígenas e quilombolas para o Congresso Nacional, também foram mencionadas, mas por um número menor de pessoas e apenas pelas engajadas.
Essas campanhas foram destacadas por terem sido lideradas pelo movimento indígena, por tocarem em temas ainda muito complexos, difíceis e distantes da sociedade brasileira, ou pelo fortalecimento das organizações e das alianças estabelecidas, pelo engajamento de artistas e por vitórias, ainda que temporárias.
Crédito: Greenpeace
Covid-19, muitas (ou nenhuma) campanhas, pouca retenção
Menos citadas e mais específicas, as campanhas de arrecadação de recursos durante a pandemia e de vacinação contra Covid-19 foram muito positivamente lembradas, especialmente por indígenas.
A websérie “Maracá – Emergência Indígena” foi dirigida por Bia Lessa, pela coordenadora da Apib Sônia Guajajara, pela liderança Célia Xakriabá, pela cantora e compositora Maria Gadú, pela Marielle Ramires, uma das coordenadoras da Mídia Ninja, pela artista plástica Laura Lima, pelo designer Pedro Inoue e pela coordenadora do 342 Amazônia Mari Stockler. Contou com enorme adesão da classe artística e de personalidades, como Ai WeiWei, Dráuzio Varella, Criolo, Milton Nascimento, Thomas Lovejoy (falecido em 2021), Chico Buarque, Alec Baldwin, Maria Bethânia, Sebastião Salgado, Zé Celso, Gaby Amarantos e muitos outros.
Houve entrevistados que questionaram se já tivemos realmente uma campanha em defesa dos direitos dos povos indígenas no país e se o que tem sido feito pode ser chamado de campanha.
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“O agro é tech, agro é pop, agro é tudo
“Agro: A indústria-riqueza do Brasil” foi mencionada por entrevistados de públicos engajados/interessados para pontuar a ausência de uma campanha que possa se igualar a essa em termos de meios, estrutura, grandiosidade, orçamento e duração, e para discorrer sobre as dificuldades – impossibilidade, para alguns – de compor imaginários distintos aos da exaltação ao agronegócio no Brasil.
A campanha começou a ser veiculada em 2016 para “conectar o consumidor com o produtor rural e ao mesmo tempo desmistificar a produção agrícola aos olhos da sociedade urbana”.
“Sempre abordamos o agronegócio como conteúdo, basicamente mostrando para a população assuntos importantes ligados ao mercado. Então decidimos extrapolar as barreiras do jornalismo e do entretenimento, desenvolvendo um projeto de comunicação para os intervalos da emissora. E tínhamos três objetivos básicos: desmistificar o tema, tirando da cabeça das pessoas a imagem de que o agronegócio era pequeno, relacionado ao homem simples, sertanejo; valorizar o setor, que representa 1/3 do PIB brasileiro; e, por último, aproximar o agronegócio das pessoas, mostrando que existe um mundo chamado agronegócio e que ele está presente no nosso dia a dia”, explicou José Luiz Petroski, gerente de planejamento de marketing da Rede Globo, durante apresentação sobre a campanha em 2020.
A campanha é recorrentemente tema de memes, charges, críticas nas redes sociais.
Em 2018, foi também tema de uma exposição do artista indígena Denilson Baniwa “Terra Brasilis: o Agro não é pop!”. Em entrevista sobre a exposição, Denilson afirmou que “a política do agronegócio com o apoio da grande mídia e de grupos conservadores tem difundido a ideologia do desenvolvimento econômico ao mesmo tempo que fomenta um discurso de ódio e preconceito contra as populações indígenas como justificativa ao impeditivo do progresso do país”.
Em 2021, um estudo da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra),“O Agro não é tech, o Agro não é pop e muito menos tudo” se contrapõe à narrativa da campanha.
A partir da análise de dados da balança comercial, do PIB e do IBGE, a pesquisa aponta que o agro pouco contribui com o produto interno bruto (PIB), traz altos custos ao Estado, gera poucos empregos e é o grande responsável por devastações ambientais: “o agro não é e não produz ‘a riqueza do Brasil’ (segundo os dados do PIB-IBGE), mas recebe a maior parte de recursos públicos em créditos, incentivos, isenções tributárias, perdões de dívidas etc. O grande lucro fica com empresas de capital estrangeiro como Bunge e Cargill. Não é grande gerador de trabalho e renda e depende de pacotes tecnológicos importados de fora. Do ponto de vista ambiental, é o principal responsável pela devastação florestal e envenenamento dos solos, águas, homens, mulheres e crianças. O agro não alimenta o mundo porque não alimenta nem os brasileiros, como pode ser visto pela ótica da inflação dos preços alimentares e aumento da fome no Brasil. Onde estão os lucros do agro? Qual a força da evasão de divisas? Qual é a fatia do agro na formação da dívida pública? A soja é mesmo brasileira, já que as multinacionais estrangeiras são as grandes comercializadoras? É preciso desmontar os mitos que vendem o agro como motor do país e como fonte de alimento para o mundo. A captura ideológica permeia todas as esferas da indústria cultural e é preciso urgentemente fazer frente a isso”.
A campanha está na terceira temporada e, de acordo com reportagem do UOL, conta atualmente com o patrocínio do banco Bradesco e da montadora Ford.
O alcance dessas campanhas para além das bolhas foi uma preocupação compartilhada recorrentemente.
Outros acreditam que a visibilidade internacional dessa agenda precisa ser melhor “oportunizada”, aproveitada, no Brasil.
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Bolsonaro ou Amazônia?
“Defund Bolsonaro” não foi uma das campanhas mais citadas, mas foi a que gerou as reações mais exaltadas entre alguns dos entrevistados.
O site da campanha não está mais no ar. De acordo com uma reportagem do Valor Econômico, a campanha buscava “alertar e conscientizar empresas, investidores, consumidores e líderes globais para que se distanciem do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, de forma a evitar a destruição da Amazônia”.
A iniciativa reuniu as principais entidades de defesa do meio ambiente no país, como Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Mídia Índia, 342 Amazônia e Observatório do Clima. Seu lançamento coincidiu com um contexto de intensificação das queimadas na Amazônia Legal e no Pantanal, agravadas pela suspensão, pelo Ministério do Meio Ambiente, das operações de combate ao desmatamento nas regiões – a medida incluiu um bloqueio de R$ 60 milhões para fiscalização.
Lançada em setembro de 2020, a principal peça da campanha, um filme com pouco mais de 1 minuto, inovou a narrativa imagética sobre a Amazônia ao apresentar cidades e produtos internacionais em chamas para relacionar corporações e marcas globais com as queimadas na floresta e com o governo Bolsonaro. O filme terminava com as questões: “pergunte a si mesmo, pergunte às marcas, ao seu governo, de que lado estão, Bolsonaro ou Amazônia?”
A campanha viralizou nas redes sociais, recebeu atenção da imprensa nacional, especialmente depois da adesão do ator e filantropo Leonardo DiCaprio, e gerou críticas de integrantes do governo.
Por causa da campanha, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, acusou a líder indígena Sônia Guajajara e a Apib de “crime de lesa-pátria”. A Apib pediu a abertura de um processo criminal contra o general-ministro do GSI, Augusto Heleno, por difamação – mais em Redes Sociais.
As preocupações com as reações contrárias ou o impacto negativo da campanha foram destacadas por alguns entrevistados.
Representantes de organizações internacionais foram mais positivos, ainda que com questões mais relacionadas à perenidade e à dificuldade de compreender as demandas da campanha.
Já alguns comunicadores e jornalistas brasileiros questionaram a falta de assinatura, ou a assinatura da campanha.
A situação do governo de Jair Bolsonaro e o momento político do país são muito distintos da que vivíamos em setembro de 2020. Os índices de desmatamento e o desmonte da agenda socioambiental também são hoje muito piores e a Amazônia, no momento, tem menos atenção que em 2019.
Alguns dos entrevistados dos públicos engajados/interessados não envolvidos com povos indígenas ou mais próximos apenas à agenda ambiental, tiveram dificuldade em citar campanhas específicas, em alguns casos porque nada chegou a eles, em outros porque muita coisa passou por eles sem que tenham tido condições de absorver os conteúdos, as propostas das campanhas adequadamente.
Mais do que campanhas específicas, a presença expressiva de organizações indígenas nas redes sociais, a crescente capacitação de comunicadores indígenas e de influenciadores indígenas nas redes sociais foram apresentadas como as grandes novidades da última década por diversos entrevistados de públicos engajados/interessados – mais em Redes Sociais.
MAIS VOZES FEMININAS, MAIS DADOS, MAIS SABERES INDÍGENAS
Diversas peças de campanhas e de comunicação foram testadas entre os públicos formadores de opinião não engajados e a população geral.
As narrativas e o protagonismo dos próprios indígenas, especialmente das mulheres, foram bastante valorizados, assim como os cenários reais, que aumentam a credibilidade. No caso dos formadores de opinião, houve interesse também por vozes com perspectivas complementares aos dos povos indígenas, como as de cientistas e de especialistas. Entre o público geral, foram apreciadas as composições visuais bem trabalhadas, acompanhando as narrativas mais emotivas e mostrando a natureza e as tradições indígenas.
A apresentação da diversidade de culturas e saberes indígenas despertaram respeito e interesse. Também foram elogiadas as campanhas que explicam a relação dos povos indígenas com a biodiversidade e como isso é compreendido pelos não indígenas e contribui para mitigar a crise climática.
As peças que desmistificam estereótipos e apresentam os povos indígenas em cenários e comportamentos atuais foram muito bem aceitas e consideradas esclarecedoras, elucidativas, ainda que o uso de vestuário com elementos da cultura pop tenha causado estranhamento entre entrevistados da população geral.
Dados e evidências foram considerados essenciais para aumentar a credibilidade, informações além dos filmes, e foi sugerido que as assinaturas das peças incluam QR Codes ou o www para quem quiser saber mais.
O uso do humor foi bem-vindo, ainda mais pelo público jovem, e uma narrativa considerada autêntica, original. Nesse caso, há necessidade da mensagem final ser bem amarrada, para não ficar dependendo da capacidade de interpretação do espectador. O sarcasmo tende a ser rejeitado e questionado, e considerado ofensivo.
As propostas que evocavam a ideia de “nós contra eles”, “vilões e heróis” geraram desconforto e foram lidas como posicionamentos ideológicos, que não favorecem a aproximação e interesse no debate. Elas despertaram sentimentos de culpa, tristeza e impotência. O uso do termo genocida provocou ruído e incomodou uma parcela dos entrevistados, e a campanha foi definida como “de esquerda”.
Generalizações que colocam “todos os indígenas na mesma caixinha” foram criticadas, e uma das peças foi descrita como um trabalho que fala apenas a pessoas já simpáticas à causa.