Dos muitos Desafios

Capítulo 15

Dos muitos desafios

pra você que tá sem tempo...

Não há palavras suficientes para descrever os acontecimentos no Brasil nos últimos anos. Durante a condução da pesquisa, o país atravessava (ainda atravessa) uma das piores crises política, econômica, sanitária, social e ética da sua história. Em meio a esses retrocessos, os povos indígenas e suas terras têm sido alvos de interesses políticos e econômicos e vivem sob ataque permanente do governo Jair Bolsonaro. Alguns entrevistados chegaram a sugerir que aquele seria o pior momento para conduzir um projeto como esse.

Para evitar que as entrevistas fossem sequestradas pelas angústias e temores do momento e tentar capturar acontecimentos anteriores aos do atual governo, foi pedido que as pessoas dividissem o que tinham visto de mais forte e positivamente marcante na última década. Ainda assim, e não podia ser diferente, algumas entrevistas giraram em torno do grave momento do país e em outras, fatos ligados à nossa gigantesca crise foram citados em algum momento.

Mais do que uma lista exaustiva, aqui foram brevemente descritos os desafios mais frequentemente mencionados pelos públicos engajados/interessados: Bolsonaro, política e políticos, violência contra os povos indígenas, colapso ambiental, fake news e desinformação e o agronegócio como locomotiva da economia brasileira. Não por acaso, todos interligados.

Para uma parcela dos entrevistados, impedir Jair Bolsonaro de continuar no poder era prioridade máxima. Os públicos engajados/interessados se mostraram perplexos diante do grau de popularidade do presidente, havia o temor de um golpe, compartilhavam ceticismo em relação à possibilidade de ele ser responsabilizado por seus crimes. Até mesmo entre os públicos não engajados, o mandato do atual governo foi apontado como um risco para o futuro dos povos indígenas.

Além da gravíssima crise econômica e do desmonte de políticas indigenistas, ambientais, culturais e sociais, do descrédito do Brasil na cena internacional e de tudo mais, o presidente da República terminou 2021 com diversas denúncias no Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda, por crimes contra a humanidade, e acusado de diversos outros crimes na CPI da Covid. A pressão internacional e as eleições de 2022 foram descritas, muitas vezes, como as únicas saídas possíveis por alguns dos entrevistados. Mesmo assim, houve quem não deixasse de enfatizar que, mesmo com a derrota de Bolsonaro, ainda teremos o bolsonarismo para enfrentar.

Diversos entrevistados mostraram enorme preocupação com a destruição ambiental do país, especialmente com os recordes consecutivos de desmatamento da Amazônia, com a falta de punição dos gravíssimos crimes ambientais e com o avanço da ilegalidade e criminalidade na floresta.

A violência contra os povos indígenas, o aumento do desmatamento em terras indígenas, a explosão do garimpo em territórios dos Yanomami e dos Munduruku e o recorde de indígenas assassinados foram os exemplos mais usados para ilustrar a gravidade da situação que atravessamos. Uma minoria mencionou com frustração e angústia o enfraquecimento e a maior estigmatização dos movimentos sociais, o fortalecimento de uma elite e de um “estilo de vida agro” – incluindo jovens de comunidades tradicionais – se espraiando pelo Cerrado e Amazônia.

Em 2022, projetos de lei voltados a transformar o que hoje é ilegal em legal, como grilagem de terras e mineração em terras indígenas, estão entre as prioridades da agenda legislativa do governo.

O avanço de missões evangélicas em territórios indígenas e o maior poder de fundamentalistas evangélicos, particularmente na política e nos meios de comunicação, foi um outro desafio bastante mencionado. No início de 2022, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) assumiu a diretoria da Frente Parlamentar Evangélica da Câmara dos Deputados. Pontualmente, os entrevistados mencionaram a diversidade de perfis entre os evangélicos e a dificuldade e importância de não generalizá-los, assim como a necessidade de ampliar o diálogo e compor alianças com eles.

As fake news e a desinformação foram os desafios que os entrevistados se mostraram mais desorientados, inseguros de comentar, sem saber como indicar caminhos e saídas. Algumas pessoas falaram sobre a resistência à vacinação por parte de indígenas por conta das notícias falsas ou os conteúdos que circulam na rede sobre “indígenas fake” e "índios do PT”. “Não são apenas as ações, mas a guerra cultural que Jair Bolsonaro e seus apoiadores estão promovendo no país via redes sociais também é genocida."

Com quase 2 milhões de visualizações e mais de 180 mil likes, “Cortina de Fumaça", filme no qual “entrevistados falam sobre o relacionamento com a Funai e como os próprios índios falam sobre como a cultura indígena vem sendo prejudicada por ONGs ambientalistas” foi um dos dez vídeos mais postados no Telegram segundo um estudo lançado recentemente. O filme é uma produção da Brasil Paralelo, também chamada de “Netflix da direita”.

O mote "O agro é pop" da campanha da Rede Globo fez parte, de forma irônica, de trechos de respostas de várias entrevistas e como crítica ao "agronegócio como a locomotiva da economia brasileira”. O setor, hoje responsável por 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, ou cerca de 25%, se incluída toda a cadeia, emprega cerca de 19 milhões de trabalhadores, ou seja, 20% da chamada população ocupada do país. O Brasil das commodities é o mesmo em que 55,2% dos lares, ou 116,8 milhões de pessoas, conviviam com algum grau de insegurança alimentar no final de 2020, o terceiro do mundo em uso de defensivos agrícolas. As atividades agropecuárias são também responsáveis pela maior parcela de todas as emissões de gases de efeito estufa do Brasil, 73% em 2020. São Félix do Xingu, no Pará, município que possui o maior rebanho bovino do país (2,4 milhões de cabeças), é o campeão nacional em emissões de gases de efeito estufa. O setor detém ainda enorme poder não só econômico, mas político. A Frente Parlamentar Agropecuária, hoje composta por 244 deputados e 39 senadores, indiretamente financiada por algumas das principais empresas do agronegócio, foi citada em muitas entrevistas como uma força política hoje imbatível e uma das principais e ativas opositoras aos direitos territoriais indígenas.

Muitos destacaram a crise de confiança na política, hoje “movida por interesses próprios”, “corrupta”, “machista” e “alheia às necessidades e demandas da sociedade”, nos “mantêm presos ao atraso”, a um “modelo excludente de desenvolvimento” e “profundamente racista”. Outras pessoas, especialmente as interessadas, mas não engajadas, enfatizaram a necessidade de formação de frentes amplas, dizendo ser fundamental que “esses assuntos não sejam vistos apenas como pautas da esquerda” ou como "circunscritos aos debates sobre pauta identitária".

A maior parte dos entrevistados não acha ser possível avançar substancialmente sem que o Brasil supere o desafio de deixar de ser um dos países com as piores colocações no ranking mundial de qualidade de educação e com baixo investimento no setor, especialmente nas regiões e nos territórios mais vulneráveis. A educação foi apontada como fundamental para reduzir o desconhecimento e o distanciamento e construir pontes, para desconstruir preconceitos e para combater o racismo. A maior parte dos entrevistados que fez referência a esse problema destacou a necessidade da implementação efetiva da Lei 11.645, de 2008, que tornou obrigatório no ensino fundamental e no ensino médio, público e privado, o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. Uma pequena parte acredita que, mais importante que materiais didáticos, seria fundamental priorizar os encontros, intercâmbios e projetos de colaboração entre estudantes não indígenas e indígenas, mesmo que remotos – essas foram descritas como as “experiências verdadeiramente transformadoras”.

Mergulhe aqui!

O Brasil atravessa uma das piores crises política-econômica-social-ética-existencial da sua história. E, em meio a esse processo, os povos indígenas vêm sendo permanentemente atacados pelo governo de Jair Bolsonaro e aliados.

Durante os meses das entrevistas com os públicos engajados/interessados para esta pesquisa, o Brasil registrava picos de morte por Covid-19, assim como novos recordes de desmatamento na Amazônia e de violência no campo. Alguns dos entrevistados chegaram a dizer que, talvez, aquele momento, que se estende até 2022, fosse o pior para conduzir uma pesquisa como esta.

Para que as entrevistas não fossem totalmente sequestradas pelos temores e pelas dores do momento e para tentar capturar acontecimentos anteriores aos do atual governo, era pedido que as pessoas compartilhassem o que consideraram mais forte e mais positivamente marcante na última década. Ainda assim, e não podia ser diferente, algumas entrevistas giraram em torno do grave momento do país e em outras, fatos ligados à nossa gigantesca crise foram citados em algum momento.

Abaixo, mais do que uma lista exaustiva, foram brevemente descritos os desafios mencionados mais frequentemente nas respostas das entrevistas com os públicos engajados/interessados: Bolsonaro, colapso ambiental, fake news e desinformação, o agronegócio como locomotiva da economia brasileira, política e políticos e a violência contra os povos indígenas. Não por acaso, todos interligados.

"A gente vai ter que construir uma nova sociedade a partir das ruínas. O país que a gente conheceu não existe mais."
(Ativista)

Bolsonaro, zero surpresa, certo?

Mesmo entre os públicos não engajados, os estragos do atual governo foram apontados como um risco para o futuro dos povos indígenas. Entre os públicos engajados/interessados, havia enorme perplexidade com o grau de popularidade do presidente, temor de um golpe, desejo que se mostrava impotente de #forabolsonaro e ceticismo em relação à possibilidade dele ser responsabilizado por seus crimes.

Além da gravíssima crise econômica, com mais de 115 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar, do desmonte de políticas indigenistas, ambientais, culturais e sociais, do descrédito do Brasil na cena internacional e tudo mais, o atual presidente do país terminou 2021 com diversas denúncias no Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda, por crimes contra a humanidade, além de ser acusado por vários outros na CPI da Covid.

A pressão internacional (boicote, para uma minoria) e as eleições de 2022 foram vistas como as únicas saídas possíveis por alguns dos entrevistados. Diversas pessoas enfatizaram que, mesmo com a derrota de Bolsonaro, ainda teremos o bolsonarismo para enfrentar. Apenas uma minoria acreditava que, depois dele, “vai vir muita coisa boa”.

Legenda: Indígenas em manifestação contra a invasão de garimpeiros em território indígena em junho de 2021
Crédito: Poder 360
“O que Bolsonaro faz é uma coisa que conduz os povos indígenas à morte de todos os tipos: física, cultural, simbólica.”
(Doadora internacional)
"O governo Bolsonaro, com aqueles discursos horrorosos sobre os indígenas, é um aniquilamento supostamente positivo, é um negócio abjeto isso dele dizer ‘eles também querem ser gente, querem ser branco’. Acho que, na real, a gente não tem ideia do estrago que ele vem causando com esse tipo de discurso.”
(Editor)
"É muito impressionante como ele vai expandindo esse espaço de naturalização da violência.”
(ONG nacional)
"Estou meio desesperada. Acho que a gente está numa situação muito difícil, nadando em círculos no lodo com esse homem. É muito difícil fazer planos.”
(Ativista)
“O Ricardo Salles e Jair Bolsonaro liberaram geral para destruição e para o crime. E os criminosos foram para cima, foram queimar floresta, principalmente essas áreas não devolutas não destinadas, que estão no limbo, e os territórios dos povos tradicionais.”
(Historiador)
“Em um contexto de desmonte total, diálogo zero, quebras institucionais, é importante construir outras relações, pensar em novas formas de incidência internacional, mas estou completamente desesperançado."
(Jornalista)
Créditos: Reprodução Instagram

Colapso ambiental em tempos de emergência climática

Diversos entrevistados mostraram enorme preocupação com a destruição ambiental do país, com a falta de punição dos gravíssimos crimes ambientais e atual estímulo à ilegalidade e ao avanço da criminalidade na Amazônia – e projetos de lei voltados a transformar o que hoje é ilegal em legal, como desmatamento, grilagem e mineração em terras indígenas. A violência contra os povos indígenas, a contaminação dos rios por mercúrio e a de alimentos por agrotóxicos, assim como o recorde e o aumento do desmatamento e partes da Amazônia como fonte e não sumidouro de carbono, foram os exemplos mais usados para ilustrar a gravidade da situação do país. 

O combate ao desmatamento ilegal foi apontado como um desafio e prioridade também por representantes do agronegócio. Houve quem destacasse a falta de atenção dada à agenda urbana da Amazônia, que apresenta hoje alguns dos piores índices socioeconômicos do país, com uma parcela da população vivendo “de costas para a floresta”. Alguns dos indígenas entrevistados enfatizaram os impactos das mudanças climáticas já sentidos e vividos em seus territórios. 

Um número menor de pessoas compartilhou frustração e angústia com o enfraquecimento e a maior estigmatização dos movimentos sociais, o fortalecimento de uma elite e um “estilo de vida agro” se esparramando pelo Cerrado e pela Amazônia e a necessidade de rever as metas climáticas do Brasil, não só por causa do Brasil terra arrasada dos últimos anos, mas também pelo agravamento da crise climática. Um número ainda menor de pessoas fez referência à velocidade da destruição do Cerrado, à falta de avanços na restauração da Mata Atlântica e no cumprimento do Código Florestal. 

“O que mais assusta é que, primeiro, uma boa parte desses territórios já sofre a consequência dessa combinação de mudanças climáticas e desmatamento, que leva à mudança climática local-regional. Eles já sofrem com estresse hídrico grave todo ano. O que mais assusta é que existe uma consequência, que é a morte silenciosa das florestas, através de degradação. Ou seja, as florestas estão perdendo carbono, através da mudança nos recursos hídricos e das altas temperaturas.”
(Cientista)
“A violência rural é impressionante e o desmatamento do Cerrado é a parte que não aparece. É um verdadeiro faroeste. Algumas dessas regiões vivem de coisas bastante violentas. Você viu essa prisão recente de desembargadores na Bahia que estavam envolvidos na grilagem de terras no oeste da Bahia? Atingiu os patamares mais altos da justiça estadual na Bahia. É muito difícil, tem toda uma rede muito forte de compra de favorecimento, que envolve muito poder político e muito dinheiro.”
(Cientista)
Crédito: Reprodução Twitter
“O interior do Pará é um faroeste, um outro universo, muito mais complexo. As forças econômicas antagônicas a essa agenda são gigantes: madeireiras, hidrelétricas, mineradoras, em um lugar onde o Estado é ausente, falta infraestrutura jurídica e a população é paupérrima. E, nas grandes cidades, muita gente tem ligações com essas cadeias.”
(Cineasta)
“Os invasores atuam também a partir da sinalização do governo. Foi o que aconteceu. Além disso, alguns vão expandindo suas atividades econômicas nas áreas que estão passando por um processo de urbanização, investindo em postos de gasolina, comércios, outros serviços, ou tráfico de drogas. Vão se tornando parte do poder local.”
(ONG nacional)
“O que eu posso dar para esse cara para ele nunca mais vir garimpar, excluindo, é claro, aquele que está associado à criminalidade? Eu tenho que dar para ele um emprego digno, uma renda que dê a possibilidade de realizar suas necessidades, além das básicas, que faça com que ele se sinta confortável. A gente tá disposto a fazer isso? Sabe o que dizer a ele? Essa é a questão.”
(Cientista político)
“As populações tradicionais ganharam mais protagonismo e mais voz, mas, quando a gente fala de população amazônica, tem muito mais gente. Não conseguimos ainda chegar junto da galera que mora em Manaus, em Santarém, em Belém, fazer com que os povos tradicionais sejam reconhecidos e valorizados ali. Se a gente não cuidar disso, vai continuar numa coisa de nós – a turma das megalópoles do país e os povos tradicionais – versus todo o resto. A gente ainda precisa criar um orgulho regional, uma maior conexão da população urbana da Amazônia com a floresta.”
(Ativista)
Crédito: Reprodução Twitter

Educação, sim, sempre ela

Muitos entrevistados não acham ser possível avançar substancialmente sem que o Brasil supere o desafio de deixar de ser um dos países com as piores colocações no ranking mundial de qualidade de educação e com baixo investimento nesta área, especialmente nas regiões e nos territórios mais vulneráveis. A educação foi apontada como fundamental para reduzir o desconhecimento e o distanciamento, além de construir pontes, para desconstruir preconceitos e para combater o racismo.

A maior parte dos entrevistados que fez referência a esse problema destacou a necessidade da implementação efetiva da Lei 11.645, de 2008, que tornou obrigatório no ensino fundamental e no ensino médio, público e privado, o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. Os mais otimistas acreditam que conteúdos na internet e nas redes sociais têm sido uma forma de educar uma parcela da sociedade brasileira.

Uma pequena parte destacou que, mais importante que materiais didáticos, seria priorizar os encontros, os intercâmbios e os projetos de colaboração entre estudantes não-indígenas e indígenas, mesmo que remotos, devido às limitações impostas pela pandemia, custos e distância física. Essas foram descritas como as “experiências verdadeiramente transformadoras”.

Durante a condução da pesquisa, foram acompanhados diversas lives e cursos, como o “Diálogos sobre Natureza, Cosmologias e Territórios”, atividade de extensão para professoras e professores da rede pública e privada de Pernambuco, ministrada pela Oficina Brennand, em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É notável o enorme interesse de professores ao redor do país em aprimorar a sua formação, em busca de referências sobre o assunto e em aprender e trocar diretamente com os povos indígenas.

Crédito: Agência Pública
“O problema é que enquanto a gente não entender a nossa história, não formos um país mais bem educado, fica muito difícil, pois as pessoas nem compreendem a gravidade de falas como 'cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós'."
(Cientista político)
“O Brasil tem uma dívida histórica e ignorância institucionalizada sobre as populações indígenas. Temos meia página nos livros de história sobre os índios na costa do país quando chegaram os portugueses. Ainda temos um pensamento muito atrasado, com pouca evolução na esfera oficial, apesar da Lei 11.645, que, em tese, obriga o ensino de conteúdos indígenas. As professoras são obrigadas a ensinar, mas não têm respaldo ou material. Elas são fundamentais para conter a cadeia de ignorância.”
(Cineasta/escritora)
“Os professores têm procurado muito os artistas indígenas para compartilhar com eles toda a preocupação e o drama de quanto as temáticas indígenas são invisibilizadas ou exotizadas nos espaços educacionais. Há muitas pessoas com sensibilidade, buscando ampliar seus repertórios.”
(Curadora)
“Para desconstruir as narrativas que o povo brasileiro tem em relação a nós, povos indígenas, a gente tem que trabalhar muito, muito, muito ainda, principalmente na educação.”
(Comunicadora indígena)
“As crianças não estudam a cultura indígena devidamente nas escolas, assim como não estudam a violência que foi e que está na base do país. Isso tem que ser visto, porque isso é o Brasil. O Brasil é violento. Essa coisa do Bolsonaro ser violento é algo que sempre fez parte do país.”
(ONG nacional)
“A gente vem de uma formação precária. A questão indígena, quando muito e dependendo do curso, é uma matéria dada em duas horas em um dos anos. E temos hoje uma sociedade dominada por essa ideia de mercado e pelas redes sociais. A velocidade da informação é tão grande, que ela não permite o exercício da crítica, o exercício da reflexão. A população que habita as redes sociais não é uma população própria para a disputa política, porque ela é mobilizada por interesses muito pessoais e muito imediatistas. Acho que isso complica ainda mais.”
(Jurista)
“Entrevistei vários sojeiros no Cerrado que nem aceitam que as mudanças climáticas existem. Os brasileiros não conhecem ainda, por exemplo, a relação entre a floresta e as chuvas no Sudeste e Amazônia. Falta educação e acho que os brasileiros letrados subestimam isso.”
(Correspondente internacional)
“As escolas do Brasil deveriam levar as crianças para as aldeias, e precisamos de indígenas nas escolas, criando experiências ‘vivas’ dentro desses espaços com as crianças. Entre as comunidades e escolas interessadas, no melhor dos mundos, poderia haver um intercâmbio permanente.”
(Artista)
Legenda: Projeto de intercâmbio entre jovens xinguanos e galeses
Crédito: Arts Wales

Enorme preocupação com Fundamentalistas evangélicos

Entrevistados compartilharam preocupação com o avanço de missões evangélicas em territórios indígenas e com o maior poder desses atores, particularmente na política e nos meios de comunicação. Foram citadas notícias de tentativas de religiosos de estabelecer contato com comunidades isoladas e de convencer famílias indígenas a não se vacinarem contra a Covid-19. Além da redução de orçamento, paralisação de ações e políticas e militarização da Fundação Nacional do Índio (Funai), lembraram também da nomeação do pastor evangélico Ricardo Lopes Dias para chefiar a Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai, o que foi repudiado por organizações indígenas e indigenistas no Brasil e internacionalmente. Ricardo Lopes Dias foi exonerado após nove meses.

Um levantamento publicado pelo jornal O Globo em fevereiro de 2020 mostrava que missionários evangélicos já atuavam junto a 13 dos 28 povos isolados reconhecidos pela Funai. Em 2010, o percentual de indígenas evangélicos era de 25%, fatia que chegou a 32% em 2018, segundo pesquisa do Datafolha. 

Muito pontualmente, entrevistados mencionaram a diversidade de perfis entre os evangélicos e a dificuldade e importância de não generalizá-los e ampliar o diálogo e compor alianças com essa parcela da população, hoje equivalente a aproximadamente 65 milhões de pessoas.

Legenda: Para a esquerda, o evangélico não tem importância ou é inimigo
Crédito: UOL
“O que me marca são os sinais da evangelização nos territórios indígenas.”
(ONG internacional)
“A emergência desse campo evangélico pentecostal, assumidamente de direita, tem um papel político muito ativo. Quando você olha para figuras como Malafaia e alguns outros pastores com esse perfil, o grau de engajamento político, usando a fé das pessoas, manipulando, gerando fake news, é absurdamente assustador. A audiência que essas lideranças evangélicas têm, essas pessoas com esse perfil politicamente mais posicionado à extrema direita, é assustador.”
(ONG nacional)
“Tem um desafio enorme, que é trabalhar não a partir das narrativas, mas das narrativas que estão circulando nos canais de comunicação e nas redes sociais dos fundamentalistas evangélicos, dos evangélicos de forma geral. Além das fake news e desinformação, tem ali uma linguagem específica que a gente não domina e durante muito tempo desconsiderou, só que hoje essa é uma parcela considerável da população brasileira."
(Jornalista)
“Eu queria citar uma fala do John Kerry, que, num pronunciamento importante aos americanos, diz que o presidente Biden vai confiar em Deus e na ciência para combater a crise climática. Essa frase para mim diz muito, porque é a maior potência, o maior poluidor, que está se pondo nessa posição de que não dá para contar somente com a ciência, tem que contar com Deus também. A gente ainda tende, mas não pode menosprezar o papel da religião.”  
(Cientista)
“Tem essas nuances que têm de ser levadas em conta porque o mundo evangélico é muito mais diversificado do que se imagina. Quando você coloca todos juntos, generaliza, está fortalecendo a ideia de que são todos uma massa única e descartando a possibilidade de estabelecer diálogos e pontes com uma parte desse grupo.” 
(ONG nacional)
Crédito: Marco Zero Conteúdo

Fake news e desinformação em um Brasil Paralelo

Esse foi o desafio em relação ao qual os entrevistados se mostraram mais desorientados, inseguros de comentar e sem saber como indicar caminhos e saídas. A regulação das redes sociais e o trabalho de pressão pública foram ocasionalmente sugeridos pelos mais informados sobre o assunto. Para ilustrar a gravidade do problema, muitos usaram exemplos da disseminação de notícias falsas como parte da estratégia do atual governo. 

Especificamente sobre povos indígenas, algumas pessoas falaram sobre a resistência à vacinação por parte de indígenas por conta das notícias falsas ou os conteúdos que circulam na rede sobre “indígenas fake” e "índios do PT”, "manipulados pela esquerda e pelas ONGs”. Também foram mencionados conteúdos de “negacionismo climático”,  "desinformação ambiental” – mais em Dados, estudos e sistemas de conhecimento.

Um levantamento de Paulo Fonseca, da Universidade Federal da Bahia, e de Letícia Cesarino, da Universidade Federal de Santa Catarina, analisou quatro milhões de mensagens transmitidas por 42 grupos e 108 canais no Telegram e identificou que o filme “Cortina de Fumaça” foi um dos dez vídeos mais postados na plataforma. Com quase 2 milhões de visualizações e mais de 180 mil likes, “Cortina de Fumaça”, da Brasil Paralelo, é descrito como um filme no qual os “entrevistados falam sobre o relacionamento com a Funai e como os próprios índios falam sobre como a cultura indígena vem sendo prejudicada por ONGs ambientalistas”. Com mais de 250 mil assinantes no seu aplicativo, 2,5 milhões de inscritos no seu canal no Youtube, a produtora Brasil Paralelo, conhecida como a “Netflix da direita”, gastou mais de R$ 5 milhões com anúncios no Facebook entre agosto de 2020 e dezembro de 2021, e foi o maior anunciante da plataforma nesse período. 

No início de 2022, a Polícia Federal afirmou, em relatório enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que uma milícia digital utiliza a estrutura do chamado “gabinete do ódio” para propagar ataques contra instituições e a democracia. 

“Estamos em um ponto de tamanha polarização, que a pessoa é contra índio porque sim e ponto. A gente passa por um momento muito difícil nesse sentido. Essa guerra de narrativas está deixando tudo muito confuso sobre o que é fato, o que é fake. É um momento muito confuso, mas que vai passar.”
(ONG nacional)
“Essas mídias sociais, especialmente Facebook e WhatsApp, têm uma abrangência absurda. Participo de alguns grupos de agricultura sustentável, onde está cheio de gente buscando produzir sem agroquímicos, uma agricultura nova coisa e tal, e, mesmo nesses grupos, a influência desse ambiente de fake news, de criação de campanhas anti-direitos sociais, anti-movimentos sociais, anti-qualquer coisa que seja um pouco mais progressista, é assustador. E com pseudo notícias produzidas de forma grosseira, com qualquer criança sendo capaz de identificar que são feitas propositalmente para distorcer fatos. Elas são aceitas sem nenhum questionamento porque se conectam fortemente com preconceitos arraigados nesse público rural, são aceitas sem nenhum questionamento.”
(Empreendedor socioambiental)
Crédito: Agência Lupa
“Os grupos políticos que conseguem explorar esse ambiente informativo são os grupos que mobilizam melhor os afetos, especialmente os afetos negativos de medo, rancor, raiva, e que exploram a ideia da urgência, com discursos muito sensacionalistas. Quem tem disposição e recursos para fazer isso hoje são os setores populistas de direita.”
(Comunicóloga)
“Tem recrudescido o posicionamento anti-MST, anti-movimentos sociais e tal. Lá em Mato Grosso, por exemplo, mesmo um cara com uma visão um pouco mais progressista, vindo de uma cooperativa familiar, hoje é uma pessoa tão bombardeada nos grupos de WhatsApp, que é obrigado a se adaptar na linguagem, no posicionamento, na forma como fala. Foi criado quase que um código de conduta de como eu tenho que cotidianamente expressar meu preconceito com o MST, expressar meu preconceito contra a esquerda, contra os índios, para que eu seja aceito socialmente nesses grupos. A forma como isso tem sido disseminado é chocante. Acho que esse fenômeno merecia estudos à parte.”
(ONG nacional)
“Os indígenas precisavam de narrativas e ações que fossem elevadas a um certo nível confrontacional, como o boicote, e com a velocidade que essas coisas precisam ter para lidar com essas fake news. Ou seja, é como se eu estivesse dizendo que os índios precisam ter seus robôs.”
(ONG nacional)
“Ao mesmo tempo que a comunicação é uma coisa positiva, os indígenas estão se falando, mas eles estão sendo bombardeados por preconceitos, injúrias e difamação. Quando eles entram nas redes, sofrem também.”
(Jornalista)
“Não são apenas as ações, mas a guerra cultural que Jair Bolsonaro e seus apoiadores estão promovendo no país via redes sociais também é genocida."
(Doador nacional)

O Agro pop não poupa ninguém

O mote da campanha da Rede Globo fez parte, de forma irônica, de trechos de respostas de várias entrevistas e como crítica ao "agronegócio como a locomotiva da economia brasileira”. O setor é hoje responsável por 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, ou cerca de 25%, se incluída toda a cadeia, além de empregar cerca de 19 milhões trabalhadores, ou seja, 20% da chamada população ocupada do país, o maior número desde 2015. O Brasil é um dos principais produtores mundiais de commodities agrícolas, como soja e carne bovina. Em 2021, as exportações do agronegócio, equivalentes a US$ 120,59 bilhões, bateram novo recorde, uma alta de 19,7% ante 2020.

O Brasil das commodities é o mesmo país em que 55,2% dos lares, ou 116,8 milhões de pessoas, conviviam com algum grau de insegurança alimentar no final de 2020. As atividades agropecuárias são também responsáveis pela maior parcela de todas as emissões de gases de efeito estufa do Brasil, 73% em 2020. São Félix do Xingu, no Pará, é campeão nacional em emissões de gases de efeito estufa. O município, no qual vivem 140 mil pessoas, possui o maior rebanho bovino do país, 2,4 milhões de cabeças. A fronteira agrícola e o desmatamento avançam sobre a Amazônia e o Cerrado, ainda que tenhamos o equivalente a duas Franças de áreas degradadas no país.

O Brasil é ainda o terceiro país do mundo em utilização de defensivos agrícolas, incluindo produtos proibidos em outros países. O agronegócio é também concentrador de renda e de terras. O estudo intitulado “Quem são os poucos donos das terras agrícolas no Brasil”, coordenado pelo Imaflora, identificou que 10% dos maiores imóveis do país concentram mais de 50% da terra em todos os estados.

Esse é também um dos setores com mais poder não só econômico, mas político, no Congresso e na imprensa, como descrito acima e em cobertura da imprensa. Foram diversas as mudanças sugeridas e desejadas para o país pelos diferentes segmentos entrevistados pela pesquisa: do avanço da reforma agrária, passando pela mudança no modelo de produção de alimentos, ao combate pelo fim do desmatamento ilegal e mais recursos para a agricultura de baixo carbono.

Crédito: O Joio e o Trigo

“Esse problema dos conflitos de terra é histórico. Isso tem a ver com a estrutura de poder que temos no Brasil. Apesar de ter se industrializado, se modernizado, o país carrega o peso e os impactos da riqueza gerada, para poucos, a partir da terra, da apropriação do valor ‘terra’, que ainda é muito forte. A posse de terra está relacionada ao poder, à concentração de riqueza. E é óbvio que isso agudiza muito esses conflitos relacionados a direitos de povos e comunidades tradicionais. Como resultado, você vê muita indignação com o fato de que os povos tradicionais ocupam mais de 100 milhões de hectares de terras no Brasil, mas nenhuma indignação quando dizemos que 200 milhões de hectares são ocupados para produzir bois com baixíssima produtividade. Mais que um crime ambiental, é um crime econômico.”
(ONG nacional)
“Esse setor – agronegócios – tem contrariedades explícitas em relação a essa agenda – direito dos povos indígenas. O que eles deram um passo adiante foi no sentido de dizer que a sustentabilidade era importante, mas olhando o processo produtivo. Então no máximo, ele olha para o seu umbigo e acha que ele é sustentável, porque sei lá, o trator dele já funciona com etanol, ou a energia da fazenda é solar, ou porque ele tem lá um processo x qualquer que já lhe garantiria um certo atestado de produção, mas fica nisso. Em relação aos índios e a tudo que cria rivalidades na disputa pela terra, eles têm graus de antagonismos profundos. Foi isso que, de certo modo, fragilizou todo processo de oposição ao Ricardo Salles, aliás, nem ao Salles, ao Bolsonaro como um todo. Uma parte da agenda do governo tem muito apoio desse setor considerado mais moderno do agronegócio.”
(Jurista)
“As pessoas no Brasil têm essa simpatia pelo proprietário, pelo dono de qualquer coisa, pelo figurão. Junta esse moralismo da classe média, a busca por ascensão social da população e aquela campanha maciça da Globo, e o efeito é bombástico.”
(Antropóloga)
“O governo, a elite e uma parte da mídia vêm fazendo incansavelmente a cabeça da população para que as pessoas achem que plantar mais soja é a solução. Na campanha ‘O Agro é Pop’ estão misturando até a mandioca com agro, você acredita?”
(Artista indígena)
“Ainda precisamos desconstruir o mito da narrativa anti-indígena de que o que é bom para o agronegócio brasileiro é bom para o Brasil."
(ONG nacional)
“Acho muito doloroso, mas importante falar, que uma parte da juventude extrativista está em outra. Ali, de maneira geral, ocorre um dilema similar ao que se passa com a sociedade brasileira. Depois de 13 anos de governo de esquerda, aconteceram tantos avanços em termos de melhorias de vida das pessoas, mas os jovens não conheciam o que existia antes. Ou seja, tudo que era ruim foi atribuído ao governo do PT e, o que era bom, era da vida. Junto com isso, o modo de vida do agronegócio, que se espraiou do Mato Grosso, Rondônia e sul do Pará para o Acre. Agronegócio como um estilo de vida. Hoje, na Reserva Chico Mendes, toda uma cultura de rodeio, uma economia em torno do gado. E tem ainda a igreja evangélica, com a teoria da prosperidade.”
(Historiador)

Crédito: Folha de São Paulo

Políticos, práticas políticas e falta de imaginação política

Para uma parcela dos entrevistados, excluir Bolsonaro do poder era prioridade máxima. Muitos destacaram também que a política, hoje “movida por interesses próprios”, “corrupta”, “machista” e “alheia às necessidades e demandas da sociedade”, nos “mantêm presos ao atraso”, a um “modelo excludente de desenvolvimento” e “profundamente racista”. Muitos entrevistados acreditam que só chegaremos perto do tamanho da diversidade do país quando renovarmos os quadros e as práticas políticas e lidarmos com a falta de imaginação política, nesse caso com críticas também à esquerda e à falta de propostas para a prosperidade e bem viver da população brasileira.

Outras pessoas, especialmente as interessadas, mas não engajadas, enfatizaram a necessidade de formação de frentes amplas, dizendo ser fundamental que “esses assuntos não sejam vistos apenas como pautas da esquerda” ou como "circunscritos aos debates sobre pauta identitária". A Frente Parlamentar Agropecuária, hoje composta por 244 deputados e 39 senadores, indiretamente financiada por algumas das principais empresas do agronegócio, foi citada em muitas entrevistas como uma força política atualmente imbatível e uma das principais opositoras aos direitos territoriais indígenas. O fortalecimento da bancada evangélica, que recentemente incluiu o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) como um dos secretários da frente parlamentar, foi apresentado como um outro desafio. 

A crise de confiança nos políticos foi lembrada com preocupação – com poucos entrevistados associando isso a uma oportunidade para a sociedade exercer mais pressão política e exigir mudanças. O Congresso Nacional é visto como não confiável por 49% da população, de acordo com uma pesquisa do Datafolha de setembro de 2021. Os partidos e os políticos também são vistos com desconfiança pelos jovens, segundo uma pesquisa encomendada pela Luminate e coordenada pela socióloga Esther Solano e pela cientista política Camila Rocha, lançada em fevereiro de 2022.

Crédito: Reprodução Twitter
“Primeiro tem a turma da iniciativa privada criminosa, as redes na coisa de madeira ilegal, as milícias, gente ligada à extração ilegal, garimpo, tráfico, que não é o cara coitado que só quer sustentar a família. Tem o mundo do agro, que tem o pessoal semicriminoso e passa o trator mesmo. Tem um pensamento hegemônico desse desenvolvimentismo que acha que é melhor ladrilhar mesmo, cortar tudo para desenvolver. Parte dessa turma é que está no comando da política do país."
(ONG nacional)
“Falta diversidade nesses espaços. É óbvio que as coisas não vão mudar enquanto quem toma as decisões são sempre as mesmas pessoas.”
(Cientista política)
“Ao mesmo tempo vivemos essa polarização da política, com a ascensão da chamada nova direita, que não é tão nova assim e que passou a vocalizar com mais força o enfrentamento. Há o fortalecimento da pauta do agro, que é uma pauta com apoio da direita até talvez a centro-esquerda e os conservadores e a extrema direita desmontando uma série de políticas culturais e de direitos difusos. O saldo geral é bem complicado.”
(Jornalista)
“Acho que a gente deveria tentar embargar acordos internacionais do Brasil, condicioná-los ao cumprimento da legislação e da Constituição. Colocar mais pressão sobre o Congresso. Eles vão priorizar a mineração em terra indígena e várias pautas que vão ser muito, mas muito ruins para os povos indígenas. A gente já sabe, não sabe?”
(Ativista)
“Os problemas todos passam pela política. O que vivemos hoje é resultado dessas práticas políticas. Ali, estão quase todos comprometidos com o agronegócio, com setores que antagonizam com os interesses dos indígenas. E, hoje, esses senhores estão todos muito bem representados por esse governo. A Joênia é um respiro, começo, mas é um grão de areia. Precisaríamos de um partido, na verdade, de uma coligação de partidos, apoiando as causas indígenas."
(Cineasta)
“A gente ainda elege poucos políticos com essa agenda (socioambiental). Temos que refletir sobre como transformar essa numa pauta positiva e não apenas das restrições, não pode isso, não pode aquilo. Não fica claro para a população que caminhos estão sendo propostos. Além disso, claro, tem toda a máquina dos grandes partidos e dos grandes nomes políticos jogando contra.”
(Doador nacional)
Crédito: charge de Carlos Latuff/Cimi

Violência recorde e permanente contra os povos indígenas

Vários entrevistados comentaram que Jair Bolsonaro não vem só cumprindo a sua promessa de campanha eleitoral de não demarcar um centímetro quadrado de terra indígena, como transformou a Funai num órgão anti-indígena.

Outros fizeram referência ao aumento do desmatamento em terras indígenas (que cresceu 138% desde 2018, segundo dados do ISA); à explosão do garimpo em territórios dos Yanomami e dos Munduruku. De acordo com o relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2020”, publicado anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), foram registrados 263 casos de invasões, exploração ilegal de recursos e danos aos territórios indígenas em 2020. Além disso, o levantamento do Cimi aponta que 182 indígenas foram assassinados em 2020, um número 61% maior do que o registrado em 2019, e registrados 110 casos de suicídio entre eles em todo o país. 

Crédito: Bob Fernandes

Foram citadas ainda nas entrevistas as ações e a omissão calculada e criminosa do governo durante a Covid-19, e as denúncias do movimento indígena no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Penal Internacional (TPI) por genocídio. Além disso, no fim de 2021, o governo anunciou que as terras indígenas não homologadas não seriam mais protegidas pelo Estado – segundo a Coiab, existem 114 grupos de indígenas isolados e de recente contato que estão em terras ainda pendentes de homologação, por exemplo.

Em fevereiro de 2022, foram anunciadas as prioridades da agenda legislativa do governo para este ano. Entre outras, incluem: a aprovação do projeto de lei que permite a mineração em terras indígenas e do projeto de lei que submete a demarcação dos territórios indígenas ao critério do marco temporal.

Também no início deste ano, Jair Bolsonaro promoveu cortes no orçamento público para a demarcação e fiscalização de terras indígenas e a proteção de indígenas isolados.

“Eles estão encurralados. Política genocida, agronegócio, desmatamento, queimada, mineração."
(Curador)
“A violência maior contra povos indígenas diz respeito a uma expansão territorial, é uma questão econômica, é sobre a territorialização do capitalismo. O crescimento de mercados em um planeta finito, o agronegócio, a mineração, o extrativismo, processos muito ligados ao roubo de terras públicas, dos povos indígenas inclusive, que atende pelo nome de grilagem, com conexões com o governo federal, com Brasília. A gente tem que mudar como esse sistema opera.”
(Jornalista)
“Nos últimos anos, há um processo de perdas significativas que a gente vê num grau mais claro, explícito, para os povos tradicionais. Eles já tinham dificuldade em conseguir conciliar a sua sobrevivência, sua existência em áreas que têm um peso crescente do agronegócio, e agora ainda mais com um presidente e um governo que é francamente contrário à agenda indígena. Se já era difícil, está muito pior.”
(ONG nacional)
“O último Censo Agropecuário mostra o quanto a evasão do campo aumenta. E, se ela aumenta, é porque o campo é muito precário. A gente tem essa noção idílica de território, mas o campo é um espaço de muita disputa.”
(Cientista)
“O que vai acontecer depois é que o registro das perdas e da destruição e as denúncias que estão sendo feitas agora vão criar uma dívida para a próxima gestão. Teve muita gente nas trincheiras que se sacrificou e vai existir, para sempre, uma dívida com essas pessoas.”
(Ativista)
Legenda: Protesto durante a 2ª Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, em Brasília (DF)
Crédito: Cimi

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