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Não há palavras suficientes para descrever os acontecimentos no Brasil nos últimos anos. Durante a condução da pesquisa, o país atravessava (ainda atravessa) uma das piores crises política, econômica, sanitária, social e ética da sua história. Em meio a esses retrocessos, os povos indígenas e suas terras têm sido alvos de interesses políticos e econômicos e vivem sob ataque permanente do governo Jair Bolsonaro. Alguns entrevistados chegaram a sugerir que aquele seria o pior momento para conduzir um projeto como esse.
Para evitar que as entrevistas fossem sequestradas pelas angústias e temores do momento e tentar capturar acontecimentos anteriores aos do atual governo, foi pedido que as pessoas dividissem o que tinham visto de mais forte e positivamente marcante na última década. Ainda assim, e não podia ser diferente, algumas entrevistas giraram em torno do grave momento do país e em outras, fatos ligados à nossa gigantesca crise foram citados em algum momento.
Mais do que uma lista exaustiva, aqui foram brevemente descritos os desafios mais frequentemente mencionados pelos públicos engajados/interessados: Bolsonaro, política e políticos, violência contra os povos indígenas, colapso ambiental, fake news e desinformação e o agronegócio como locomotiva da economia brasileira. Não por acaso, todos interligados.
Para uma parcela dos entrevistados, impedir Jair Bolsonaro de continuar no poder era prioridade máxima. Os públicos engajados/interessados se mostraram perplexos diante do grau de popularidade do presidente, havia o temor de um golpe, compartilhavam ceticismo em relação à possibilidade de ele ser responsabilizado por seus crimes. Até mesmo entre os públicos não engajados, o mandato do atual governo foi apontado como um risco para o futuro dos povos indígenas.
Além da gravíssima crise econômica e do desmonte de políticas indigenistas, ambientais, culturais e sociais, do descrédito do Brasil na cena internacional e de tudo mais, o presidente da República terminou 2021 com diversas denúncias no Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda, por crimes contra a humanidade, e acusado de diversos outros crimes na CPI da Covid. A pressão internacional e as eleições de 2022 foram descritas, muitas vezes, como as únicas saídas possíveis por alguns dos entrevistados. Mesmo assim, houve quem não deixasse de enfatizar que, mesmo com a derrota de Bolsonaro, ainda teremos o bolsonarismo para enfrentar.
Diversos entrevistados mostraram enorme preocupação com a destruição ambiental do país, especialmente com os recordes consecutivos de desmatamento da Amazônia, com a falta de punição dos gravíssimos crimes ambientais e com o avanço da ilegalidade e criminalidade na floresta.
A violência contra os povos indígenas, o aumento do desmatamento em terras indígenas, a explosão do garimpo em territórios dos Yanomami e dos Munduruku e o recorde de indígenas assassinados foram os exemplos mais usados para ilustrar a gravidade da situação que atravessamos. Uma minoria mencionou com frustração e angústia o enfraquecimento e a maior estigmatização dos movimentos sociais, o fortalecimento de uma elite e de um “estilo de vida agro” – incluindo jovens de comunidades tradicionais – se espraiando pelo Cerrado e Amazônia.
Em 2022, projetos de lei voltados a transformar o que hoje é ilegal em legal, como grilagem de terras e mineração em terras indígenas, estão entre as prioridades da agenda legislativa do governo.
O avanço de missões evangélicas em territórios indígenas e o maior poder de fundamentalistas evangélicos, particularmente na política e nos meios de comunicação, foi um outro desafio bastante mencionado. No início de 2022, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) assumiu a diretoria da Frente Parlamentar Evangélica da Câmara dos Deputados. Pontualmente, os entrevistados mencionaram a diversidade de perfis entre os evangélicos e a dificuldade e importância de não generalizá-los, assim como a necessidade de ampliar o diálogo e compor alianças com eles.
As fake news e a desinformação foram os desafios que os entrevistados se mostraram mais desorientados, inseguros de comentar, sem saber como indicar caminhos e saídas. Algumas pessoas falaram sobre a resistência à vacinação por parte de indígenas por conta das notícias falsas ou os conteúdos que circulam na rede sobre “indígenas fake” e "índios do PT”. “Não são apenas as ações, mas a guerra cultural que Jair Bolsonaro e seus apoiadores estão promovendo no país via redes sociais também é genocida."
Com quase 2 milhões de visualizações e mais de 180 mil likes, “Cortina de Fumaça", filme no qual “entrevistados falam sobre o relacionamento com a Funai e como os próprios índios falam sobre como a cultura indígena vem sendo prejudicada por ONGs ambientalistas” foi um dos dez vídeos mais postados no Telegram segundo um estudo lançado recentemente. O filme é uma produção da Brasil Paralelo, também chamada de “Netflix da direita”.
O mote "O agro é pop" da campanha da Rede Globo fez parte, de forma irônica, de trechos de respostas de várias entrevistas e como crítica ao "agronegócio como a locomotiva da economia brasileira”. O setor, hoje responsável por 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, ou cerca de 25%, se incluída toda a cadeia, emprega cerca de 19 milhões de trabalhadores, ou seja, 20% da chamada população ocupada do país. O Brasil das commodities é o mesmo em que 55,2% dos lares, ou 116,8 milhões de pessoas, conviviam com algum grau de insegurança alimentar no final de 2020, o terceiro do mundo em uso de defensivos agrícolas. As atividades agropecuárias são também responsáveis pela maior parcela de todas as emissões de gases de efeito estufa do Brasil, 73% em 2020. São Félix do Xingu, no Pará, município que possui o maior rebanho bovino do país (2,4 milhões de cabeças), é o campeão nacional em emissões de gases de efeito estufa. O setor detém ainda enorme poder não só econômico, mas político. A Frente Parlamentar Agropecuária, hoje composta por 244 deputados e 39 senadores, indiretamente financiada por algumas das principais empresas do agronegócio, foi citada em muitas entrevistas como uma força política hoje imbatível e uma das principais e ativas opositoras aos direitos territoriais indígenas.
Muitos destacaram a crise de confiança na política, hoje “movida por interesses próprios”, “corrupta”, “machista” e “alheia às necessidades e demandas da sociedade”, nos “mantêm presos ao atraso”, a um “modelo excludente de desenvolvimento” e “profundamente racista”. Outras pessoas, especialmente as interessadas, mas não engajadas, enfatizaram a necessidade de formação de frentes amplas, dizendo ser fundamental que “esses assuntos não sejam vistos apenas como pautas da esquerda” ou como "circunscritos aos debates sobre pauta identitária".
A maior parte dos entrevistados não acha ser possível avançar substancialmente sem que o Brasil supere o desafio de deixar de ser um dos países com as piores colocações no ranking mundial de qualidade de educação e com baixo investimento no setor, especialmente nas regiões e nos territórios mais vulneráveis. A educação foi apontada como fundamental para reduzir o desconhecimento e o distanciamento e construir pontes, para desconstruir preconceitos e para combater o racismo. A maior parte dos entrevistados que fez referência a esse problema destacou a necessidade da implementação efetiva da Lei 11.645, de 2008, que tornou obrigatório no ensino fundamental e no ensino médio, público e privado, o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. Uma pequena parte acredita que, mais importante que materiais didáticos, seria fundamental priorizar os encontros, intercâmbios e projetos de colaboração entre estudantes não indígenas e indígenas, mesmo que remotos – essas foram descritas como as “experiências verdadeiramente transformadoras”.
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O Brasil atravessa uma das piores crises política-econômica-social-ética-existencial da sua história. E, em meio a esse processo, os povos indígenas vêm sendo permanentemente atacados pelo governo de Jair Bolsonaro e aliados.
Durante os meses das entrevistas com os públicos engajados/interessados para esta pesquisa, o Brasil registrava picos de morte por Covid-19, assim como novos recordes de desmatamento na Amazônia e de violência no campo. Alguns dos entrevistados chegaram a dizer que, talvez, aquele momento, que se estende até 2022, fosse o pior para conduzir uma pesquisa como esta.
Para que as entrevistas não fossem totalmente sequestradas pelos temores e pelas dores do momento e para tentar capturar acontecimentos anteriores aos do atual governo, era pedido que as pessoas compartilhassem o que consideraram mais forte e mais positivamente marcante na última década. Ainda assim, e não podia ser diferente, algumas entrevistas giraram em torno do grave momento do país e em outras, fatos ligados à nossa gigantesca crise foram citados em algum momento.
Abaixo, mais do que uma lista exaustiva, foram brevemente descritos os desafios mencionados mais frequentemente nas respostas das entrevistas com os públicos engajados/interessados: Bolsonaro, colapso ambiental, fake news e desinformação, o agronegócio como locomotiva da economia brasileira, política e políticos e a violência contra os povos indígenas. Não por acaso, todos interligados.
Bolsonaro, zero surpresa, certo?
Mesmo entre os públicos não engajados, os estragos do atual governo foram apontados como um risco para o futuro dos povos indígenas. Entre os públicos engajados/interessados, havia enorme perplexidade com o grau de popularidade do presidente, temor de um golpe, desejo que se mostrava impotente de #forabolsonaro e ceticismo em relação à possibilidade dele ser responsabilizado por seus crimes.
Além da gravíssima crise econômica, com mais de 115 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar, do desmonte de políticas indigenistas, ambientais, culturais e sociais, do descrédito do Brasil na cena internacional e tudo mais, o atual presidente do país terminou 2021 com diversas denúncias no Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda, por crimes contra a humanidade, além de ser acusado por vários outros na CPI da Covid.
A pressão internacional (boicote, para uma minoria) e as eleições de 2022 foram vistas como as únicas saídas possíveis por alguns dos entrevistados. Diversas pessoas enfatizaram que, mesmo com a derrota de Bolsonaro, ainda teremos o bolsonarismo para enfrentar. Apenas uma minoria acreditava que, depois dele, “vai vir muita coisa boa”.
Colapso ambiental em tempos de emergência climática
Diversos entrevistados mostraram enorme preocupação com a destruição ambiental do país, com a falta de punição dos gravíssimos crimes ambientais e atual estímulo à ilegalidade e ao avanço da criminalidade na Amazônia – e projetos de lei voltados a transformar o que hoje é ilegal em legal, como desmatamento, grilagem e mineração em terras indígenas. A violência contra os povos indígenas, a contaminação dos rios por mercúrio e a de alimentos por agrotóxicos, assim como o recorde e o aumento do desmatamento e partes da Amazônia como fonte e não sumidouro de carbono, foram os exemplos mais usados para ilustrar a gravidade da situação do país.
O combate ao desmatamento ilegal foi apontado como um desafio e prioridade também por representantes do agronegócio. Houve quem destacasse a falta de atenção dada à agenda urbana da Amazônia, que apresenta hoje alguns dos piores índices socioeconômicos do país, com uma parcela da população vivendo “de costas para a floresta”. Alguns dos indígenas entrevistados enfatizaram os impactos das mudanças climáticas já sentidos e vividos em seus territórios.
Um número menor de pessoas compartilhou frustração e angústia com o enfraquecimento e a maior estigmatização dos movimentos sociais, o fortalecimento de uma elite e um “estilo de vida agro” se esparramando pelo Cerrado e pela Amazônia e a necessidade de rever as metas climáticas do Brasil, não só por causa do Brasil terra arrasada dos últimos anos, mas também pelo agravamento da crise climática. Um número ainda menor de pessoas fez referência à velocidade da destruição do Cerrado, à falta de avanços na restauração da Mata Atlântica e no cumprimento do Código Florestal.
Educação, sim, sempre ela
Muitos entrevistados não acham ser possível avançar substancialmente sem que o Brasil supere o desafio de deixar de ser um dos países com as piores colocações no ranking mundial de qualidade de educação e com baixo investimento nesta área, especialmente nas regiões e nos territórios mais vulneráveis. A educação foi apontada como fundamental para reduzir o desconhecimento e o distanciamento, além de construir pontes, para desconstruir preconceitos e para combater o racismo.
A maior parte dos entrevistados que fez referência a esse problema destacou a necessidade da implementação efetiva da Lei 11.645, de 2008, que tornou obrigatório no ensino fundamental e no ensino médio, público e privado, o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. Os mais otimistas acreditam que conteúdos na internet e nas redes sociais têm sido uma forma de educar uma parcela da sociedade brasileira.
Uma pequena parte destacou que, mais importante que materiais didáticos, seria priorizar os encontros, os intercâmbios e os projetos de colaboração entre estudantes não-indígenas e indígenas, mesmo que remotos, devido às limitações impostas pela pandemia, custos e distância física. Essas foram descritas como as “experiências verdadeiramente transformadoras”.
Durante a condução da pesquisa, foram acompanhados diversas lives e cursos, como o “Diálogos sobre Natureza, Cosmologias e Territórios”, atividade de extensão para professoras e professores da rede pública e privada de Pernambuco, ministrada pela Oficina Brennand, em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É notável o enorme interesse de professores ao redor do país em aprimorar a sua formação, em busca de referências sobre o assunto e em aprender e trocar diretamente com os povos indígenas.
Enorme preocupação com Fundamentalistas evangélicos
Entrevistados compartilharam preocupação com o avanço de missões evangélicas em territórios indígenas e com o maior poder desses atores, particularmente na política e nos meios de comunicação. Foram citadas notícias de tentativas de religiosos de estabelecer contato com comunidades isoladas e de convencer famílias indígenas a não se vacinarem contra a Covid-19. Além da redução de orçamento, paralisação de ações e políticas e militarização da Fundação Nacional do Índio (Funai), lembraram também da nomeação do pastor evangélico Ricardo Lopes Dias para chefiar a Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai, o que foi repudiado por organizações indígenas e indigenistas no Brasil e internacionalmente. Ricardo Lopes Dias foi exonerado após nove meses.
Um levantamento publicado pelo jornal O Globo em fevereiro de 2020 mostrava que missionários evangélicos já atuavam junto a 13 dos 28 povos isolados reconhecidos pela Funai. Em 2010, o percentual de indígenas evangélicos era de 25%, fatia que chegou a 32% em 2018, segundo pesquisa do Datafolha.
Muito pontualmente, entrevistados mencionaram a diversidade de perfis entre os evangélicos e a dificuldade e importância de não generalizá-los e ampliar o diálogo e compor alianças com essa parcela da população, hoje equivalente a aproximadamente 65 milhões de pessoas.
Fake news e desinformação em um Brasil Paralelo
Esse foi o desafio em relação ao qual os entrevistados se mostraram mais desorientados, inseguros de comentar e sem saber como indicar caminhos e saídas. A regulação das redes sociais e o trabalho de pressão pública foram ocasionalmente sugeridos pelos mais informados sobre o assunto. Para ilustrar a gravidade do problema, muitos usaram exemplos da disseminação de notícias falsas como parte da estratégia do atual governo.
Especificamente sobre povos indígenas, algumas pessoas falaram sobre a resistência à vacinação por parte de indígenas por conta das notícias falsas ou os conteúdos que circulam na rede sobre “indígenas fake” e "índios do PT”, "manipulados pela esquerda e pelas ONGs”. Também foram mencionados conteúdos de “negacionismo climático”, "desinformação ambiental” – mais em Dados, estudos e sistemas de conhecimento.
Um levantamento de Paulo Fonseca, da Universidade Federal da Bahia, e de Letícia Cesarino, da Universidade Federal de Santa Catarina, analisou quatro milhões de mensagens transmitidas por 42 grupos e 108 canais no Telegram e identificou que o filme “Cortina de Fumaça” foi um dos dez vídeos mais postados na plataforma. Com quase 2 milhões de visualizações e mais de 180 mil likes, “Cortina de Fumaça”, da Brasil Paralelo, é descrito como um filme no qual os “entrevistados falam sobre o relacionamento com a Funai e como os próprios índios falam sobre como a cultura indígena vem sendo prejudicada por ONGs ambientalistas”. Com mais de 250 mil assinantes no seu aplicativo, 2,5 milhões de inscritos no seu canal no Youtube, a produtora Brasil Paralelo, conhecida como a “Netflix da direita”, gastou mais de R$ 5 milhões com anúncios no Facebook entre agosto de 2020 e dezembro de 2021, e foi o maior anunciante da plataforma nesse período.
No início de 2022, a Polícia Federal afirmou, em relatório enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que uma milícia digital utiliza a estrutura do chamado “gabinete do ódio” para propagar ataques contra instituições e a democracia.
O Agro pop não poupa ninguém
O mote da campanha da Rede Globo fez parte, de forma irônica, de trechos de respostas de várias entrevistas e como crítica ao "agronegócio como a locomotiva da economia brasileira”. O setor é hoje responsável por 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, ou cerca de 25%, se incluída toda a cadeia, além de empregar cerca de 19 milhões trabalhadores, ou seja, 20% da chamada população ocupada do país, o maior número desde 2015. O Brasil é um dos principais produtores mundiais de commodities agrícolas, como soja e carne bovina. Em 2021, as exportações do agronegócio, equivalentes a US$ 120,59 bilhões, bateram novo recorde, uma alta de 19,7% ante 2020.
O Brasil das commodities é o mesmo país em que 55,2% dos lares, ou 116,8 milhões de pessoas, conviviam com algum grau de insegurança alimentar no final de 2020. As atividades agropecuárias são também responsáveis pela maior parcela de todas as emissões de gases de efeito estufa do Brasil, 73% em 2020. São Félix do Xingu, no Pará, é campeão nacional em emissões de gases de efeito estufa. O município, no qual vivem 140 mil pessoas, possui o maior rebanho bovino do país, 2,4 milhões de cabeças. A fronteira agrícola e o desmatamento avançam sobre a Amazônia e o Cerrado, ainda que tenhamos o equivalente a duas Franças de áreas degradadas no país.
O Brasil é ainda o terceiro país do mundo em utilização de defensivos agrícolas, incluindo produtos proibidos em outros países. O agronegócio é também concentrador de renda e de terras. O estudo intitulado “Quem são os poucos donos das terras agrícolas no Brasil”, coordenado pelo Imaflora, identificou que 10% dos maiores imóveis do país concentram mais de 50% da terra em todos os estados.
Esse é também um dos setores com mais poder não só econômico, mas político, no Congresso e na imprensa, como descrito acima e em cobertura da imprensa. Foram diversas as mudanças sugeridas e desejadas para o país pelos diferentes segmentos entrevistados pela pesquisa: do avanço da reforma agrária, passando pela mudança no modelo de produção de alimentos, ao combate pelo fim do desmatamento ilegal e mais recursos para a agricultura de baixo carbono.
Crédito: O Joio e o Trigo
Crédito: Folha de São Paulo
Políticos, práticas políticas e falta de imaginação política
Para uma parcela dos entrevistados, excluir Bolsonaro do poder era prioridade máxima. Muitos destacaram também que a política, hoje “movida por interesses próprios”, “corrupta”, “machista” e “alheia às necessidades e demandas da sociedade”, nos “mantêm presos ao atraso”, a um “modelo excludente de desenvolvimento” e “profundamente racista”. Muitos entrevistados acreditam que só chegaremos perto do tamanho da diversidade do país quando renovarmos os quadros e as práticas políticas e lidarmos com a falta de imaginação política, nesse caso com críticas também à esquerda e à falta de propostas para a prosperidade e bem viver da população brasileira.
Outras pessoas, especialmente as interessadas, mas não engajadas, enfatizaram a necessidade de formação de frentes amplas, dizendo ser fundamental que “esses assuntos não sejam vistos apenas como pautas da esquerda” ou como "circunscritos aos debates sobre pauta identitária". A Frente Parlamentar Agropecuária, hoje composta por 244 deputados e 39 senadores, indiretamente financiada por algumas das principais empresas do agronegócio, foi citada em muitas entrevistas como uma força política atualmente imbatível e uma das principais opositoras aos direitos territoriais indígenas. O fortalecimento da bancada evangélica, que recentemente incluiu o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) como um dos secretários da frente parlamentar, foi apresentado como um outro desafio.
A crise de confiança nos políticos foi lembrada com preocupação – com poucos entrevistados associando isso a uma oportunidade para a sociedade exercer mais pressão política e exigir mudanças. O Congresso Nacional é visto como não confiável por 49% da população, de acordo com uma pesquisa do Datafolha de setembro de 2021. Os partidos e os políticos também são vistos com desconfiança pelos jovens, segundo uma pesquisa encomendada pela Luminate e coordenada pela socióloga Esther Solano e pela cientista política Camila Rocha, lançada em fevereiro de 2022.
Violência recorde e permanente contra os povos indígenas
Vários entrevistados comentaram que Jair Bolsonaro não vem só cumprindo a sua promessa de campanha eleitoral de não demarcar um centímetro quadrado de terra indígena, como transformou a Funai num órgão anti-indígena.
Outros fizeram referência ao aumento do desmatamento em terras indígenas (que cresceu 138% desde 2018, segundo dados do ISA); à explosão do garimpo em territórios dos Yanomami e dos Munduruku. De acordo com o relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2020”, publicado anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), foram registrados 263 casos de invasões, exploração ilegal de recursos e danos aos territórios indígenas em 2020. Além disso, o levantamento do Cimi aponta que 182 indígenas foram assassinados em 2020, um número 61% maior do que o registrado em 2019, e registrados 110 casos de suicídio entre eles em todo o país.
Crédito: Bob Fernandes
Foram citadas ainda nas entrevistas as ações e a omissão calculada e criminosa do governo durante a Covid-19, e as denúncias do movimento indígena no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Penal Internacional (TPI) por genocídio. Além disso, no fim de 2021, o governo anunciou que as terras indígenas não homologadas não seriam mais protegidas pelo Estado – segundo a Coiab, existem 114 grupos de indígenas isolados e de recente contato que estão em terras ainda pendentes de homologação, por exemplo.
Em fevereiro de 2022, foram anunciadas as prioridades da agenda legislativa do governo para este ano. Entre outras, incluem: a aprovação do projeto de lei que permite a mineração em terras indígenas e do projeto de lei que submete a demarcação dos territórios indígenas ao critério do marco temporal.
Também no início deste ano, Jair Bolsonaro promoveu cortes no orçamento público para a demarcação e fiscalização de terras indígenas e a proteção de indígenas isolados.