Os entrevistados engajados/interessados foram convidados a discorrer sobre as principais narrativas dos povos indígenas e pelo fortalecimento de seus direitos para incidência política no Brasil. Para os entrevistados de públicos não engajados, a pergunta foi sobre suas percepções e seus sentimentos em relação aos povos indígenas.
As respostas foram variadas e incluíram de “narrativas produzidas pelos próprios indígenas” e "ninguém fala no nosso lugar” como as grandes novidades, “houve pouca mudança na última década", aos que lamentaram, dizendo que as “contranarrativas estão hoje muito fortalecidas”.
Ainda assim, povos indígenas como “protetores do meio ambiente”, “guardiões das florestas”, “essenciais no combate às mudanças climáticas” foi a principal narrativa da última década para a maior parte dos entrevistados de públicos engajados/interessados. A narrativa climático-ambiental emergiu com força no cenário global, passando a ser adotada pelo movimento indígena e por uma parte da sociedade civil no Brasil e no exterior.
Entre os públicos não engajados, a conexão dos povos indígenas com o meio ambiente foi reconhecida pelos formadores de opinião e pela parcela da população geral mais empática com a causa. Nem sempre, porém, esse reconhecimento foi manifestado espontaneamente, ou apontado como uma contribuição importante dos povos indígenas.
As narrativas sobre os modos de vida, as subjetividades e as cosmologias indígenas foram apresentadas como uma “evolução”, “aprofundamento”, da que apresenta os povos indígenas como “guardiões das florestas”. Ainda que hoje estejam circunscritas a uma parte da elite cultural do país, essas narrativas foram apresentadas como as mais potentes como “contraponto à crise climática e do capitalismo”, para "atiçar e provocar nosso imaginário” e para "necessários processos de cura e encantamento”.
Os estudos que demonstram que as florestas vêm sendo manejadas há milênios por povos indígenas foram considerados ainda pouco conhecidos e muito importantes para enriquecer narrativas que vêm recontando a história do que hoje chamamos Brasil.
O orgulho identitário, a valorização e a conexão com ancestralidades e os discursos anticoloniais foram apontados como narrativas emergentes, que devem ganhar ainda mais visibilidade e serem fortalecidos nos próximos anos. Essas são narrativas que questionam e atualizam os debates sobre a identidade brasileira e que têm gerado crescente interesse da indústria cultural e de entretenimento e também do mercado publicitário.
A principal narrativa adotada pelos povos indígenas é a dos direitos, especialmente do direito à terra, que tem como alicerce a Constituição de 1988. As narrativas dos direitos originários ganharam mais visibilidade no Brasil na última década devido “à maior organização e conscientização dos povos indígenas sobre seus direitos” e “às ameaças claras que se impuseram”. Por outro lado, o direito à terra foi o tema mais polêmico das entrevistas com os públicos não engajados, em torno do qual foram apresentados os argumentos mais críticos aos povos indígenas.
No Brasil, narrativas sobre “uso sustentável dos territórios indígenas”, “bioeconomia” e “economia da floresta” foram qualificadas como extremamente importantes por entrevistados de públicos engajados e interessados e valorizadas por formadores de opinião de públicos não engajados, especialmente empresários. Essas foram descritas como as mais urgentes em contraponto às narrativas do governo Jair Bolsonaro e ao modelo de desenvolvimento predatório atualmente em curso na Amazônia.
A narrativa dos defensores ambientais, povos indígenas e comunidades tradicionais lutando não apenas por sua sobrevivência, mas na linha de frente pela proteção do planeta, com suas vidas e seus territórios sob ataque, foi apresentada como muito potente, especialmente no exterior.
Por conta do crescente número de iniciativas em resposta à crise climática, como investidores e empresas se comprometendo com desmatamento zero e regulações do comércio internacional de commodities em curso na União Europeia e no Reino Unido, narrativas sobre violações de direitos, os impactos socioambientais e o aumento da vulnerabilidade dos territórios indígenas foram apontadas como importantes de serem fortalecidas. No Brasil, foi sugerido ampliar, aprofundar e diversificar as formas de divulgação da quantidade de terra degradada e sem uso no país versus a expansão da fronteira agrícola, ampliar os dados e a compreensão sobre os subsídios ao agronegócio, sobre a concentração de terras no país.
Entrevistados interessados, mas não engajados, criticaram a falta de contato, diálogo e disputa com campos opositores, outros o debate estar “muito ligado e circunscrito a pautas identitárias” e não a “pautas mais universais, que mobilizam a sociedade brasileira como um todo”.
Um número considerável de entrevistados manifestou preocupação com as contranarrativas do governo Bolsonaro e aliados. “Nos últimos dez anos, vejo como um período de retrocesso na opinião pública no Brasil.” “Com a brutalidade e a violência das posições da extrema direita veio não só a ideia de que índio tem terra demais, como uma depreciação das populações indígenas explicitamente formulada pelo presidente da República.”
Mergulhe aqui!
Os entrevistados engajados/interessados foram convidados a falar sobre as principais narrativas dos povos indígenas e pelo fortalecimento de seus direitos para incidência política no Brasil na última década. Para os entrevistados de públicos não engajados, a pergunta foi sobre as suas percepções e seus sentimentos em relação aos povos indígenas.
“Não existe uma narrativa única", pontuaram alguns dos entrevistados logo no início das entrevistas. E, justamente por isso, as respostas foram muito diversas.
As respostas incluíram de “narrativas produzidas pelos próprios indígenas” e "ninguém fala no nosso lugar” como as grandes novidades, “houve pouca mudança na última década", aos que lamentaram, e não foram poucos, o fato das “contranarrativas estarem hoje muito fortalecidas”.
Ainda assim, os povos indígenas como “protetores do meio ambiente”, “guardiões das florestas”, “essenciais no combate às mudanças climáticas”, foi a narrativa mais citada pela maior parte dos entrevistados dos públicos engajados/interessados.
Apoiada principalmente em evidências científicas, a narrativa climático-ambiental emergiu com força no cenário global, passando a ser adotada pelo movimento indígena e por uma parte da sociedade civil no Brasil.
Entre os públicos não engajados, a conexão dos povos indígenas com o meio ambiente é, em geral, reconhecida pelos formadores de opinião e a população geral mais empática com a causa. Nem sempre, porém, esse reconhecimento foi manifestado espontaneamente ou apontado como uma contribuição importante dos povos indígenas. A relação distinta e profunda dos povos indígenas com o meio ambiente foi citada espontaneamente apenas por quem já está envolvido ou interessado no tema da sustentabilidade. Perguntados sobre o aumento do interesse internacional pelos povos tradicionais no Brasil, a maioria não concordou – creditando tal interesse a preocupações com o meio ambiente.
subcapítulo
Guardiões das florestas
Perguntamos aos públicos engajados/interessados se gostavam ou não do uso do termo “guardiões das florestas” para descrever os povos indígenas e o porquê.
Abaixo, um resumo das respostas, que foram bastante diversas e a maior parte com questionamentos ao uso do termo.
A narrativa é boa se fizer sentido para eles…
Sim, porque…
Sim, mas…
Responsabilidade do Estado e também nossa responsabilidade
Precisa ser atualizada…
Não, porque é uma outra coisa…
Não sei…
Não, porque…
A luta é por território!
A principal narrativa dos povos indígenas é a dos direitos, especialmente do direito à terra. Essa narrativa tem como alicerce o capítulo “Dos Índios” da Constituição de 1988, que completou 30 anos em 2018.
Além dos indígenas, as narrativas dos direitos constitucionais foram citadas por diferentes segmentos dos públicos engajados, em particular por juristas. Nesta última década, os direitos territoriais dos povos indígenas passaram a ser cada vez mais defendidos por cientistas e organizações internacionais, e incorporados entre as recomendações de relatórios, como o que o IPCC lançou em 2019.
Essa foi descrita como uma narrativa com mais visibilidade também no Brasil nos últimos anos devido “à maior organização e conscientização dos povos indígenas sobre seus direitos” e “às ameaças que se impuseram”, anteriormente invisíveis para diferentes públicos e hoje muito mais evidentes.
Cientistas brasileiros também passaram a citar os territórios como essenciais para as soluções climáticas. O relatório do Painel Científico para a Amazônia (SPA, sigla em inglês) lançado em dezembro de 2021, inclui entre as ações estratégicas que “fornecer direitos de posse de terra e um ambiente institucional que possibilite o cumprimento desses direitos é uma forma importante e econômica para os países protegerem florestas e diversidade cultural, e atingirem seus objetivos climáticos”.
No relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), publicado em 2014, foi recomendado não só a regularização e desintrusão das terras indígenas, mas também a recuperação ambiental das terras indígenas exploradas e degradadas durante a implementação de projetos de colonização e grandes empreendimentos realizados entre 1946 e 1988 como a mais fundamental forma de reparação coletiva pelas graves violações sofridas pelos povos indígenas no Brasil.
Crédito: Ministério Público Federal
Por outro lado, o direito à terra foi o tema mais polêmico das entrevistas com os públicos não engajados, em torno do qual foram apresentados os argumentos mais críticos aos povos indígenas. A possibilidade de uso econômico de suas terras, por eles próprios ou por terceiros, foi identificado como o ponto mais sensível da discussão sobre esse tema – mais em Públicos não engajados.
Adiar o fim, sustentar o céu, ser floresta
Os modos de vida, as subjetividades e as cosmologias indígenas foram apresentadas por alguns dos entrevistados como uma “evolução”, um “aprofundamento”, um “desdobramento”, uma "sofisticação" da narrativa que apresenta os povos indígenas como “guardiões das florestas”. E são, obviamente, intrínsecos à existência dos indígenas.
Além de centrais ao trabalho de inúmeros pensadores, escritores, artistas e lideranças indígenas, os modos de existência dos povos indígenas passaram a ser incluídos em agendas e propostas políticas; adotados como temas de novas linhas de pesquisas, grupos de estudo e cursos; e também se tornaram fonte de inspiração e foco de projetos artísticos – atraindo a atenção de cientistas a filósofos, de artistas a ativistas, no Brasil e no exterior.
Ainda que hoje no país estejam restritas e compreendidas apenas por uma parte da elite cultural, as narrativas sobre as cosmologias indígenas foram apresentadas como entre as mais potentes como “contraponto à crise climática e do capitalismo”, para "atiçar e provocar nosso imaginário”, "apresentar a exuberância da diversidade indígena”.
Entre os entrevistados ligados ao campo da arte, cultura e humanidades, há enorme interesse em trocar e aprender com as formas de pensar e estar no mundo dos povos indígenas e compreender melhor as relações estabelecidas com outros seres vivos.
Crédito: Autonomia Literária
Um dos entrevistados destacou que ainda “são pouquíssimas as traduções e os estudos sobre narrativas ameríndias, análogos a aqueles que a gente encontra, por exemplo, sobre as culturas clássicas da Grécia arcaica e tantas outras”.
Fazedores de florestas há milênios, retorno e convívios com ancestralidades
Os estudos que têm demonstrado que as florestas vêm sendo manejadas há milênios por povos indígenas e que, justamente por isso, foram se tornando mais ricas foram considerados ainda pouco conhecidos e muito importantes para enriquecer narrativas que vêm recontando a história do que hoje chamamos Brasil.
Crédito: GLF Amazônia
O orgulho identitário, a valorização e a conexão com ancestralidades e os discursos anticoloniais foram apontados como narrativas emergentes, que devem ganhar ainda mais visibilidade e serem fortalecidos nos próximos anos – ou a ”memória como ferramenta de luta”, como nos disseram alguns dos indígenas entrevistados. Essas são narrativas que questionam e atualizam os debates sobre a identidade brasileira e que tem gerado crescente interesse da indústria cultural e de entretenimento e também do mercado publicitário.
Em evento pré-COP26 organizado pela Amazônia Real, o antropólogo indígena João Paulo Tukano afirmou que não basta chamar os jovens para “gritar pelas mudanças climáticas”, que é preciso também ouvir e consultar os mais velhos e os mais sábios para discutir o assunto.
“Eu gostaria muito que esses grandes debatedores de mudanças climáticas pudessem dispor o seu tempo para ouvir os nossos especialistas indígenas, os pajés”, afirmou ele.
Fazer prosperar a economia da floresta em pé
No Brasil, as narrativas sobre o “uso sustentável dos territórios indígenas”, a “economia da floresta” e a “bioeconomia” foram qualificadas como extremamente importantes por entrevistados de públicos engajados e interessados e também foram valorizadas por formadores de opinião de públicos não engajados, especialmente os empresários.
Essas foram narrativas descritas como as mais urgentes em contraponto às que vêm sendo adotadas por Jair Bolsonaro e ao modelo de desenvolvimento predatório atualmente em curso na Amazônia. Essas são também as narrativas apontadas como as que têm mais chance de disputar o imaginário e obter o apoio e a adesão da população geral.
Crédito: OCAA
Uma minoria entre os entrevistados dos públicos engajados apontou preocupação com o conceito de bioeconomia que vem sendo adotado, com a abrangência e a consistência da agenda ESG (ambiental, social e governança, em português) e com o retorno de mercados de carbono. Um conjunto ainda menor de pessoas fez críticas a “mecanismos de financeirização da natureza” e a “falsas soluções verdes”.
Além disso, uma pequena parte dos entrevistados destacou haver pouca compreensão por parte dos economistas no Brasil sobre temas e propostas ligados aos povos indígenas, economia da floresta e novos modelos econômicos, por exemplo.
“Não está dando mais, vocês avançaram demais”
A narrativa dos defensores ambientais, povos indígenas e comunidades tradicionais lutando não apenas por sua sobrevivência, mas na linha de frente pela proteção do planeta, com suas vidas e seus territórios sob ataque, foi apresentada como muito potente, especialmente no exterior. Essa foi considerada a narrativa que “humaniza”, “incorpora histórias de vida”, “adiciona novas camadas às imagens de destruição das florestas''.
Legenda: 'Raising the Roof: Voices for the Amazon', evento com lideranças e artistas indígenas na COP26Crédito: Global Canopy
A vulnerabilidade, mais social e econômica, foi justamente uma das principais associações feitas aos povos indígenas pelos públicos não engajados.
Além do aumento do desmatamento em terras indígenas nos últimos anos, as mudanças climáticas impactando povos indígenas foram destacadas por entrevistados indígenas e cientistas como a serem cada vez mais integradas a essa narrativa.
Para alguns dos entrevistados, essa é uma narrativa com enorme apelo internacional e que também se conecta com o debate sobre colonialismo e desigualdade, em particular, a diferença histórica das emissões de gases de efeito estufa entre o Sul e o Norte Global e a agenda de loss and damage (asperdas e danos decorrentes das mudanças climáticas) .
Por esses motivos e também por conta do crescente número de compromissos com desmatamento zero, das regulações do comércio internacional de commodities em curso na União Europeia e no Reino Unido, as narrativas sobre as violações de direitos, os impactos socioambientais e o aumento da vulnerabilidade dos territórios indígenas foram apontadas como importantes de serem fortalecidas nos próximos anos.
A exposição de marcas globais foi apresentada como a principal ameaça à narrativa “o agro é pop”. No Brasil, foi sugerido ampliar, aprofundar e diversificar as formas de divulgação da quantidade de terra degradada e sem uso no país versus a expansão da fronteira agrícola, ampliar os dados e a compreensão sobre os subsídios ao agronegócio, sobre a concentração de terras no país e sobre os impactos do uso excessivo de agrotóxicos na produção agrícola e impactos à saúde.
De forma mais esparsa, diversas outras narrativas foram citadas como relevantes, como indígenas em posições não esperadas e indígenas como cura e soluções para o futuro.
Narrativa para nós mesmos, poucas pontes com outras pautas
A formação e o fortalecimento de alianças entre povos indígenas e povos tradicionais, com o Movimento dos Sem Terra (MST), com o movimento negro, com o movimento feminista, por exemplo, foi elogiada e sugerida por uma parcela dos entrevistados engajados.
Entrevistados dos públicos interessados, mas não engajados, criticaram a falta de contato, diálogo e disputa com campos opositores, públicos não engajados, o brasileiro comum. Outras pessoas fizeram considerações sobre o debate, especialmente nas redes, estar “muito ligado e circunscrito a pautas identitárias” e não a “pautas mais universais, que mobilizam a sociedade brasileira como um todo”.
Um número considerável de entrevistados dos públicos engajados manifestou preocupação com as contranarrativas do governo Bolsonaro e aliados.
Por futuros ancestrais radicalmente coletivos
Para uma parcela dos públicos engajados/interessados, uma outra narrativa das mais importantes para o momento atual no Brasil é a que fortaleça a coletividade e que ofereça caminhos comuns, mais universais, para o país.