Públicos não engajados

Capítulo 14

Públicos não engajados

O componente da pesquisa com os públicos não engajados foi conduzido pelo Instituto Ipsos, uma das principais empresas de pesquisa e de inteligência de mercado do mundo.

Conforme detalhado em Apresentação e metodologia, foram feitas 100 entrevistas em profundidade, distribuídas entre população geral e formadores de opinião – economistas, lideranças políticas, líderes empresariais e jornalistas regionais. As entrevistas foram realizadas entre junho e outubro de 2021, e os dados foram sistematizados entre novembro de 2021 e janeiro de 2022. 

Esse levantamento buscou investigar a compreensão do termo “povos tradicionais” e a percepção sobre o lugar dos povos indígenas na sociedade brasileira no presente e no futuro, seus direitos constitucionais, sua atuação e suas demandas e representações políticas. Também pretendeu explorar caminhos para fortalecer o diálogo e aproximações junto a esses públicos específicos. 

Além disso, o projeto teve a intenção de identificar o grau de conhecimento sobre a relevância político-econômica da agenda climático-ambiental e o papel fundamental dos povos indígenas como parte da solução desses problemas. 

Economistas, lideranças empresariais, lideranças políticas e jornalistas regionais foram escolhidos como segmentos não engajados importantes por serem tomadores de decisão e formadores de opinião entre os mais influentes no país, ainda que, notadamente, atores desses setores tenham posições e atuação pública contrárias aos direitos dos povos indígenas. 

Devido ao atual contexto político, uma pequena amostra da população geral de perfil conservador, com posicionamentos no espectro político entre centro e direita, também foi incluída na pesquisa.

Abaixo, uma síntese dos principais achados da pesquisa da Ipsos. Clique aqui para acessar o relatório na íntegra. 

Crédito: Apib

Desconhecimento e generalizações, da empatia ao rancor

Como apontado em povos indígenas e comunidades tradicionais, ainda há um grande desconhecimento por parte dos públicos não engajados sobre a realidade e a diversidade dos povos indígenas e, consequentemente, sua organização social, seu histórico de lutas e resistências e o trabalho da sociedade civil e de estudos de cientistas sobre o assunto. 

Embora atualmente haja mais pontos de contato e informação, pouco se conhece até mesmo sobre as lideranças e os pensadores indígenas mais importantes do país. Ou seja, pode-se falar sobre a invisibilidade dos povos indígenas entre esses segmentos. 

A concepção sobre povos indígenas é formada a partir de fragmentos de informação: às vezes, apenas títulos de reportagens ou posts de redes sociais, com pouco aprofundamento. 

A exceção são os jornalistas regionais, que possuem uma perspectiva crítica e bem informada sobre os cenários nacional e local, e, durante as entrevistas, contribuíram com exemplos de associações e lideranças indígenas locais, pontuando com mais dados sobre o tema.

Quanto mais informados, mais conscientes são da diversidade e da complexidade do tema e mais interessados se demonstram em compreender melhor a realidade dos povos indígenas. Por outro lado, quanto menos informados, como no caso de uma grande parcela da população conservadora, menor é o interesse. O desconhecimento passa por suposto conhecimento, encerrando o debate – não se sabe o quanto não se sabe. Nesses casos, o caminho para se chegar a um diálogo parece ainda mais longo e complexo. 

Baseados numa visão de mundo fundamentada em sua própria cultura e na história oficial, tendem, muitas vezes, a projetar essas expectativas sobre os povos indígenas, isto é, esperar que eles “evoluam”, passando assim a integrar a sociedade brasileira. 

Ao falarem sobre os povos indígenas, os entrevistados destacaram impotência, constrangimento, distanciamento e incompreensão, compartilhando, eventualmente, manifestações de respeito, empatia e solidariedade e mencionando injustiça. Houve também, muito frequentemente, alguns que se mostraram indiferentes e outros que falaram sobre eles com rancor, um sentimento mais presente entre representantes da população geral. 

Crédito: Apib Comunicação
Crédito: Apib Comunicação
Crédito: Apib Comunicação
“É um sentimento talvez de incompreensão. A gente já entendeu tanta coisa, já absorveu tanta coisa, não deveria ser tão impositivo e agressivo ainda com os povos indígenas." 
(Economista)

Predominou a falta de reconhecimento da força de organização e representatividade dos povos indígenas na agenda pública brasileira, que foram mais associados a fragilidades e ameaças. Soma-se a isso uma visão histórica que desconhece a capacidade de resistência dos povos indígenas, suas conquistas e superações.

Existe ainda uma visão estática da cultura. Há dificuldade em compreender a cultura como algo vivo, que contempla mudanças e incorporação de elementos da sociedade envolvente. A visão da contribuição social dos povos indígenas tende a ser fixada no passado e na herança que legaram a língua, comida e hábitos dos brasileiros. 

Em geral, não se associa espontaneamente o impacto ambiental positivo dos territórios indígenas – ver mais sobre esse assunto abaixo. A diversidade cultural e os aprendizados diante da convivência com modos de viver e pensar também foram pouco mencionados como um valor em si.

Crédito: UOL

Foi apontado que a sociedade brasileira não se interessa nem se identifica com as populações indígenas por serem distantes geográfica e culturalmente: nesse sentido, há uma invisibilidade dessas populações, o que cria uma barreira adicional para o respeito às suas pautas.

É nesse contexto que vemos surgir uma visão de equação desequilibrada de “trocas” entre os povos indígenas e a sociedade do entorno, em que os povos indígenas demandam mais do que oferecem, e essas demandas são vistas como algo que prejudica os demais segmentos da população.

Também foi quase consenso que, sob o governo do atual presidente da República, os ataques de grileiros, garimpeiros e fazendeiros e a vulnerabilidade dos povos indígenas aumentaram ainda mais. Entre os formadores de opinião, muitos entrevistados acreditam que não apenas piorou a situação dos povos indígenas na última década, mas também aumentou o preconceito da sociedade. Perguntados sobre o interesse internacional pelos povos tradicionais no Brasil, a maioria não concordou – creditando tal interesse crescente no país a preocupações com o meio ambiente.

“Nos últimos dez anos, essa questão indígena deixou de ter um pouco de relevância, talvez até por conta dessa percepção de necessidade de crescimento, necessidade de sair de crise, crescer a qualquer custo, e ao agro, às commodities serem um pouco esse filão de crescimento. Às vezes, me passa a impressão que a sociedade olha o povo indígena como um estorvo, um povo atrasado, que precisaria de fato ser incorporado ao modo de vida ocidental. Para essa população, não faria sentido existir índio mais. Na hora que traz essa questão de inclusão, a sociedade tradicional brasileira exasperou, entrou num grau de negação, de não aceitação. A sociedade brasileira, no seu íntimo, tem essa coisa conservadora de raiz, muito intensa, muito forte e sempre foi de certa forma guardada implícita e, de repente, explodiu nos últimos anos, especialmente com o Bolsonaro. É como se o Bolsonaro fosse o sancionador. Essa desigualdade de renda que coloca essa população branca mais pobre abaixo de um nível de renda dos seus próprios pais, isso começa a deixá-las exasperadas também. Eu sou pobre, estou perdendo renda, esses governos estão dando privilégio para essas populações? Aí é demais!”
(Economista, Consultoria)

Crédito: Canal Curta!

Os indígenas são “eles”, e a sociedade brasileira somos “nós”

Embora reconhecidos como integrantes da nossa história e cultura, a percepção sobre os povos indígenas girou em torno de seu deslocamento em relação ao modelo econômico vigente no país, ao questionamento de seus direitos constitucionais e a um certo estranhamento em relação aos seus modos de vida e especificidades socioculturais, distintas do restante da sociedade. Os indígenas são “eles”, e a sociedade brasileira somos “nós”.

Foi comum a associação dos povos indígenas a vulnerabilidades sociais e econômicas, o que levou alguns entrevistados a colocar esses povos num contexto de pobreza ou numa mesma categoria de minoria que enfrenta preconceitos, junto com os negros e a população LGBTQIA+. Em particular, jornalistas de estados das regiões Norte e Centro-Oeste destacaram problemas sociais como fome, miséria, alcoolismo e até suicídio como fatos marcantes de sociedades indígenas de suas regiões. Essa percepção de vulnerabilidade, ao mesmo tempo que desperta solidariedade, também tende a posicionar essa população num lugar menos empoderado, com menos espaço social e menos voz.

Crédito: Agência Pública

Assim como nos discursos de alguns políticos, foi comum entre esses entrevistados o uso de referências a situações como a cobrança de pedágios ou indígenas favoráveis ao garimpo para descrever o todo, sem a devida compreensão do contexto histórico e das especificidades dos casos retratados. 

“Por que só é direito deles, e quando ele invade o direito do outro? Por que quando eles fazem a cobrança de pedágio? Quando eles entram, dizimam vendas, comércios, pequenos comércios do lugar, eles saqueiam tudo e não tem a polícia pra punir eles? Eu acho assim, o direito tem que ser universal, o direito tem que ser pra todos. Muitas, muitas das vezes, eles falam a respeito de grilagem, mas você sabia que a mídia não mostra, que tem muita terra que índio vendeu?” 
(Homem, MT)

As percepções sobre eles tendem, muitas vezes, a ser equivocadas, com a exceção de uma pequena parcela dos formadores de opinião, especialmente jornalistas regionais e lideranças empresariais e políticas. 

“Existe uma soberba da nossa sociedade de achar que o nosso processo econômico e cultural é melhor do que esses povos subjugados, subvalorizados, como se aquilo fosse inferior e isso não é necessariamente verdade. Tem coisas, inclusive, com o próprio uso da tecnologia, se descobre quantos saberes têm acumulados nesta sabedoria desses povos que têm outras tradições que não as nossas. Sinto um pouco de admiração por tamanha capacidade de resistência, acho que muita gente desiste por muito menos."
(Empresas, Sustentabilidade)
“São tidos como comunidades atrasadas, o que não reflete a realidade. São povos que têm sua própria estrutura social, cultural, avançados em muitas coisas. A sociedade em parte ainda tem uma visão um pouco estereotipada, que são atrasados e donos de grandes terras, o que não condiz com a realidade. Os empresários e políticos geralmente são donos de rádios, pequenos jornais e pequenas emissoras de televisão, e o próprio debate na mídia nestes locais ainda reforçam bastante o estereótipo.” 
(Jornalista, PA)
“Se você tiver uma comunidade indígena cuja aspiração, por exemplo, seja querer que seus descendentes sejam educados nas melhores escolas e consigam bons empregos no meio urbano, eu tenho dificuldade de crer que alguma entidade do movimento indígena dará espaço para essa voz prosperar.”
(Economista, Universidade)

Rejeição e forte questionamento aos direitos constitucionais

Ainda que de forma muito genérica, as principais demandas dos povos indígenas, como, por exemplo, saúde, educação, acesso à tecnologia e demarcação de terras, são conhecidas. 

Há uma dificuldade de compreensão dos direitos constitucionais dos indígenas por parte da sociedade brasileira. Esses direitos tendem a ser vistos em “contraposição” aos direitos de outros segmentos da população geral – a perspectiva, portanto, é de um espaço de disputas. É nesse lugar que os povos indígenas mais incomodam o restante da sociedade brasileira.

Parte central desse debate incluiu um forte questionamento da identidade indígena em seu contato com o restante da sociedade brasileira, assim como uma grande dificuldade de conceber um caminho de relacionamento que contemple a alteridade desses povos. A aquisição de bens materiais, como automóveis e celulares, e o acesso à educação superior por indígenas, por exemplo, foram usados várias vezes para descrever um processo em que esses povos deixam de ser indígenas e passam a ser brasileiros – merecendo, portanto, o tratamento dado ao restante da sociedade. 

Crédito: Reprodução Instagram

Além disso, em algumas entrevistas, também foram compartilhadas suspeitas de que o direito à terra estaria sendo explorado por “indígenas que conheceram o mundo ocidental” ou que “ficam com um pé em cada barco” (cultura indígena e cultura ocidental), conforme seu interesse. Alguns entrevistados levantaram esses pontos, ao passo que outros atribuíram essa dúvida à sociedade, principalmente a representantes do agronegócio. 

Em âmbito legislativo federal, foi reconhecida a importância da organização e da presença dos povos indígenas para trazer suas questões. Alguns políticos identificaram maior circulação de indígenas nos ambientes legislativos. 

“Se a gente olhar para os povos indígenas, tem um crescimento grande de mulheres líderes nesta discussão, como a Joênia Wapichana, a Sônia Guajajara. A própria discussão do marco temporal mostra a organização deles. Mesmo antes do marco temporal, é muito comum ver grupos indígenas dentro da Câmara dos Deputados, participando de sessões, comissões. Acho que tem uma organização sim.” 
(Deputada federal, SP) 
Crédito: Joênia Wapichana

Muitos apontaram, porém, que ainda há pouca representação e articulação.

A visão de assimilação e diluição cultural desses povos foi um ponto bastante frequente em diversas entrevistas, especialmente entre os economistas e a população geral. 

Por outro lado, tal visão também surge em função da percepção de que os povos e suas terras estão sob intenso ataque, o que os tornaria, então, muito vulneráveis. O cenário atual, no contexto de um governo percebido como desfavorável aos povos indígenas, certamente impacta a ideia de assimilação cultural como uma possibilidade provável e muito próxima nos próximos dez anos, por exemplo.

Um estudo do Instituto Ipsos conduzido em 2020 avaliou o Índice de Coesão Social em 27 países. Esse índice mensura quanto uma sociedade trabalha para o bem-estar de todos os seus membros; combate a exclusão e a marginalização; cria um sentimento de pertencimento; promove a confiança; e oferece a seus membros a oportunidade de uma mobilidade social ascendente. Os resultados colocaram o Brasil no 21° lugar entre as 27 nações investigadas. A partir de suas respostas sobre relações sociais (confiança nas pessoas, prioridades compartilhadas e diversidade), conexão (identidade, confiança no sistema e justiça) e focos do bem comum (ajuda aos outros, respeito às leis e corrupção), somente 13% dos brasileiros possuem um senso de coesão social sólido. 

Diante desse cenário, não surpreende que os direitos dos povos indígenas sejam vistos como um espaço de disputas em que, se o outro ganha, sou eu quem perco.

“Eu quero saber qual o propósito, qual o problema de inserir socialmente, qual o benefício de proteger o indígena? Eu acho que o Brasil tem uma postura muito paternalista para tudo. Um indígena levar uma vida de uma pessoa ocidental e com dignidade, eu não tenho um olhar diferente para um indígena do que para um sujeito pobre que está marginalizado e num ambiente violento, eu não acho que o indígena é melhor. A tendência é ter uma postura de ‘ah, são coitadinhos e precisam ser protegidos’, eu não tenho dúvida que grupos vulneráveis têm que ser protegidos, mas a questão é, proteger do quê, e de que forma?”
(Economista)

Na caracterização cultural desses povos, há o reconhecimento de sua ligação com a terra que habitam. O direito à terra, entretanto, foi o tema mais polêmico das entrevistas, em torno do qual foram apresentados os argumentos mais críticos aos povos indígenas. A possibilidade de uso e exploração de suas terras, por eles próprios ou por terceiros, é o ponto mais sensível do debate.

Nem todos pensam da mesma forma. Em mais de um terço da amostra de eleitores conservadores, convive-se também com um movimento de simpatia aos povos indígenas. Essas pessoas tendem a apresentar uma visão mais curiosa e compreensiva da cultura desses povos, compreendem a força da ligação desses povos com a terra e, em alguns casos, mencionam também a importância da coletividade.

“Suas reivindicações são por terras porque infelizmente a gente vive em um país que não olha para esses povos como nossos povos originários, não olham para essas pessoas e veem pessoas, mas simplesmente que não fazem parte do nosso povo. Então eu vejo que viver também para eles seja algo que represente a resistência, uma luta constante. Suas reivindicações são totalmente válidas, porque todo mundo precisa de uma moradia, uma educação, segurança, todo mundo precisa de comida no prato todos os dias, esses povos não são diferentes de nós.”
(Mulher, AP)
Crédito: Reprodução Instagram

Destaque por segmento: 

Economistas: O lugar atribuído aos povos indígenas varia entre visões positivas e pessimistas. Observa-se que, quando mencionam a situação dos ataques sofridos por esses povos ou se concentram nos problemas de qualidade dos serviços de bem-estar social, tendem a colocá-los em um lugar de marginalização social. Em contraposição, outros economistas reforçam um olhar que destaca a possibilidade de uma contribuição positiva dos povos indígenas. Essa perspectiva pressupõe um espaço “funcional” para os povos indígenas como condição para equacionar seu lugar dentro da sociedade brasileira. Por um lado, essas propostas envolvem a ideia de os povos indígenas buscarem a autossustentação como solução para saírem de situações de pobreza e adquirirem autonomia. Compartilham uma perspectiva que busca dar legitimidade e valor econômico à diversidade cultural. 

Empresários: Neste segmento, um recorte importante é o olhar para os povos tradicionais destacando seu modo de vida fora do sistema econômico predominante (produção e consumo) e as tensões ou possibilidades que isso acarreta. Há, nesse sentido, diferentes enfoques, que resultam em pontos de vista que podem fragilizar ou fortalecer o lugar atribuído aos povos indígenas. Um dos enfoques, mais próximo ao olhar da população geral, é o que tende a correlacionar tal modo de vida fora do mercado com pobreza, necessidade de auxílios governamentais e carências em geral. Esse enfoque tende a reforçar as situações de vulnerabilidade e, eventualmente, também gera questionamentos sobre seus direitos diferenciados. Representa, porém, uma minoria na amostra. Outro olhar, mais presente na amostra, é aquele que também tangencia o cenário de vulnerabilidade dos povos tradicionais, porém propondo debates sobre suas potencialidades e importância. Nesse sentido, a ideia que mais os fortalece é sua associação com a questão dos saberes relacionados ao meio ambiente.

Jornalistas regionais: O segmento de jornalistas tende a ter uma perspectiva mais próxima dos povos indígenas, por abordarem ou já terem abordado esse tema em algum momento de sua trajetória profissional. Em sua maioria, são empáticos com a causa indígena, e sua posição tende a ser a de desejar atuar, até mais do que têm feito, no sentido de difundir mais informações sobre o tema. Neste segmento, a indignação e o senso de urgência são expressivos. São críticos, também, à própria mídia e refletem bastante sobre os valores e crenças da sociedade envolvente, entendendo que a opinião pública é muito desfavorável. Foram os que apresentaram mais dados sobre as realidades locais de alguns povos indígenas e descreveram situações de pobreza, descaso, conflitos e, até mesmo, casos de lideranças que foram corrompidas por garimpeiros e grileiros. Descreveram, também, os jogos de poder e as influências locais atuando contra os povos indígenas. Reconhecem a luta e a resistência diante de um cenário de opressão significativa e consideram que a expressão dos povos indígenas no cenário público e político ainda é pequena e que o jogo de forças contra eles é bastante desigual. 

Políticos: Entre os políticos, falou-se com frequência sobre a questão da força política na composição do Congresso e das Câmaras Legislativas Estaduais, além da dificuldade de dar ressonância maior às questões indígenas nos debates, apontando certo desinteresse entre os demais políticos. As perspectivas, obviamente, variam conforme a orientação política. Um dos pontos que parece ser mais consensual é a necessidade de políticas públicas apoiando os povos indígenas em seus direitos básicos de saúde e educação, entre outros. Em geral, reconhecem a deficiência do poder público nesse sentido. A questão da terra gera perspectivas das mais opostas. Assim como os economistas, ressaltam a necessidade de uso dos recursos naturais dos territórios por indígenas ou terceiros. Alguns entrevistados debatem a questão da terra indígena contrapondo-a aos interesses da sociedade mais ampla. Sobretudo, tratam a extensão das terras como algo problemático e abordam o debate sobre a possibilidade de permissão para exploração econômica e a necessidade de uso do território para passagem de estradas, ferrovias e linhas de transmissão. As ONGs são mencionadas de forma genérica: por um lado, representam apoio e intermediação das causas indígenas, mas, por outro, são acusadas de manipulação desses povos. Entre aqueles que apresentam maior empatia com a questão indígena, parte-se do pressuposto que o respeito aos indígenas e suas terras deveria ser resguardado e não questionado. No entanto, são uma minoria. 

Legenda: Mulher Krahô-Canela na 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília (DF)
Crédito: Apib

Conexão com meio ambiente reconhecida, mas não espontaneamente

A conexão dos povos indígenas com o meio ambiente é, em geral, reconhecida, especialmente entre formadores de opinião e a população geral mais empática com a causa. 

Nem sempre, porém, esse reconhecimento é manifestado espontaneamente ou apontado como uma contribuição importante dos povos indígenas. Sua relação profunda e distinta com o meio ambiente tende a ser citada espontaneamente por quem já está envolvido ou interessado no tema da sustentabilidade.

Sob estímulo, a ideia é geralmente aceita com ressalvas. Isto é, essa narrativa tende a ser reconhecida como uma realidade de alguns povos, ou como uma possibilidade de ser mais bem desenvolvida, mas não para todos. Também não é aceito associar genericamente essa ideia aos povos indígenas como um todo.

Nesse sentido, o conceito de guardiões da floresta tende a atrair tanto defesas quanto críticas em todos os segmentos: por um lado, há essa relação com a natureza que é particular dos povos indígenas e que justifica o reconhecimento desse cuidado. Por outro, entende-se que nem todos os povos atuam com o mesmo cuidado mais em Principais narrativas.

Há pouca compreensão do capital político que os povos indígenas adquiriram globalmente na agenda climática na última década, com raras exceções. 

“No Brasil os povos tradicionais são aliados da maior importância nos esforços de combate às mudanças climáticas.” 
(Ex-presidente)

De qualquer forma, a sugestão de ligação entre povos indígenas e natureza foi bem aceita. Além da proteção dos biomas em si, entendem que esse cuidado com a natureza inclui saberes diferenciados e as contribuições específicas que os povos indígenas têm para oferecer e defendem que esse poderia ser um valor a ser compartilhado com a sociedade brasileira. Esse foi um ponto destacado apenas por entrevistados mais engajados e envolvidos com questões de sustentabilidade e por uma menor parte das lideranças políticas.

“A sugestão número um é nada para eles sem eles, ou seja, é o que eu chamo de pactuação, como outros países fizeram. O presidente da República, da Câmara dos Deputados do Senado, do Supremo, governadores, poderiam sentar com os chefes de nações de forma organizada, o Conselho dos Anciãos dessas nações, para uma pactuação. E uma outra coisa que eu defendo é um programa em que a gente tem, de um lado, a ciência trabalhando cada bioma, ao mesmo tempo nós temos que trabalhar mais do que o crédito de carbono com o crédito das florestas. Ou seja, de um lado, sustentar as florestas, as áreas de proteção obrigatória e, do outro lado, pactuar alternativas de remuneração que permitam a manutenção no público ou no privado dessas áreas ainda não devastadas, essas áreas naturais. Junto com isso, poderíamos ter o desenho de atividades econômicas que convivam com a sustentabilidade, e eu já citei aqui: o turismo, a cadeia produtiva do mel, o banco genético de sementes nativas voltadas para a produção de mudas.”
(Governador)
“Há realmente um crescimento vertiginoso do interesse internacional sobre a questão ambiental e do clima, que no caso do Brasil acaba ajudando a agenda indígena, porque você tem um governo que está lidando com as duas agendas da mesma forma. Eu quero bater no Bolsonaro, porque eu quero reduzir o desmatamento da Amazônia e, para bater Bolsonaro, vou chamar a atenção da questão indígena também.” 
(Economista, universidade)
Crédito: @yawanawarasu

Apesar de um contexto geral que não transparece favorabilidade, há caminhos possíveis para criação de pontes de diálogo.

A maioria dos formadores de opinião se mostrou aberta à reflexão, e uma parcela da população geral parece ter disposição para abrir um canal de interesse e sensibilização em relação ao tema. Essa disponibilidade sinaliza um desejo geral de sair da dicotomia dos debates. As pessoas aspiram por informação de boa qualidade, e uma fonte de grande credibilidade são as universidades e instituições científicas.

Revela-se certa ansiedade quanto ao que não se sabe –– abrindo-se, portanto, espaço para um diálogo qualificado, baseado em estudos.

“Dependendo de onde você lê, você vai ver um extremista para um lado e um extremista para outro, se houvesse um espaço mais imparcial nesse debate com especialistas que discutem o tema, eu conseguiria inclusive ter mais informação e mais opinião sobre isso.” 
(Empresário)
“A imprensa se nutre da pesquisa técnica, em estudos técnicos. Mas fica comprometido o trabalho, como vai divulgar, divulgar o quê? Não tem conteúdo para divulgar.”
(Economista)

Embora haja conhecimento sobre as principais demandas, falta ainda um reconhecimento do porquê de essas causas serem necessárias e legítimas, além de conhecimento mais tangível sobre como efetivá-las. 

Entre os formadores de opinião, especialmente os economistas e os empresários, observaram-se algumas tentativas de apontar caminhos e propostas que envolvem a atribuição de uma função econômica e produtiva como forma de inclusão e sustentabilidade desses povos.

Entre os economistas, há um entendimento de que a questão ambiental já está mais próxima de suas preocupações, sendo incorporada às métricas de avaliação e remuneração do setor. A perspectiva é de que os custos ambientais sejam incorporados às atividades econômicas. Nesse contexto, mencionaram a ideia de que os povos indígenas poderiam “pegar carona” nas questões ambientais.

“Acho que você só vai conseguir garantir a existência desses povos tradicionais enquanto você conseguir entregar os meios para que possa existir uma função na forma deles se organizarem, extraírem da natureza. Senão, acho que você está tirando um pouco desse valor da comunidade como ela é. Pra mim, as duas agendas têm muita relação, a indígena e a ambiental.” 
(Economista, banco)
Crédito: Reprodução Instagram

Para alguns dos entrevistados, esse caminho inclui também avançar em relação a impasses históricos, com debates sobre o uso dos territórios para a geração de energia e para o transporte.

Esse segmento destaca ainda atividades de autossustentação como solução para sair de situações de pobreza e ter autonomia, dependendo menos da ação do Estado. Isso pode ser feito, por exemplo, exercendo um papel de preservação ambiental, beneficiando a coletividade e contribuindo para a sociedade como um todo. 

Também apresentada por economistas, além de empresários e alguns políticos (mais à direita), coloca-se o debate sobre a autossustentação dos povos indígenas por meio de alternativas econômicas como produção agrícola, turismo e artesanato.

Ainda que sem utilizar o conceito de bioeconomia, os empresários apresentaram sugestões de desenvolvimento econômico sustentável nos territórios dos povos tradicionais, especialmente o manejo florestal. A experiência da Natura foi usada como uma referência bastante positiva nesse sentido. Também foram mencionados a agenda ESG, o mercado de carbono e possíveis parcerias entre governos locais, empresas e povos indígenas.

“Você tem que ter uma exploração mineral, por exemplo, nessas áreas? Por que essa exploração mineral é mais valiosa que uma exploração extrativista? Não faz sentido diante de um contexto de mudança climática, de reconhecimento da riqueza dessa biodiversidade, por que uma exploração extrativista bem feita e organizada e que gere recursos, ela tem menos legitimidade do que uma exploração mineral por exemplo? Acho que já é um pouco a onda da Natura, as empresas que lidam com esse tema já usam muito esse discurso.” 
(Reputação e Sustentabilidade)

Os entrevistados das grandes empresas de abrangência internacional identificam uma pressão do mercado por ações mais sustentáveis e uma demanda de que as empresas incorporem questões da agenda ambiental, resultando, então, em certa possibilidade de aproximação com a temática dos povos tradicionais. 

“Você não tem escolha, as empresas brasileiras que exportam, se elas não se mexerem, não vão conseguir mais exportar produtos, porque ninguém vai comprar esses produtos daqui a pouco, estou resumindo de forma bruta, mas basicamente é isso. Se a gente pegar um grande frigorífico que hoje exporta proteína, amanhã se não tiver ações concretas para diminuir o desmatamento que passa, sem dúvida, pela melhoria de condições de vida desses ribeirinhos, por exemplo, eles não vão mais conseguir exportar soja. Até o próprio produtor do agronegócio está começando a entender isso. Eu chamo isso de real política.”
(Empresas, Relações Institucionais)
Crédito: BBC News Brasil

Da perspectiva de onde falam, destacaram que os povos indígenas, por representarem uma minoria numérica, têm acesso a pouco voto e, portanto, atualmente dispõem de pouca força política.

“Precisa de uma rede de apoio para as demandas deles, qualquer assunto que caia aqui dentro do Congresso Nacional só é aprovado se tiver maioria. Fica difícil qualquer pauta avançar se não encantar os olhos dos parlamentares, essa rede de apoio e contatos. Não vai me render votos, não vai me render prestígio, um minuto na televisão local, uma boa foto para mostrar para meus eleitores.” 
(Senador, RR)

Os políticos, quando positivos, apostam na possibilidade de uma política para o aumento da representatividade indígena e a contínua mobilização desses povos. Também veem a conscientização dos mais jovens e o surgimento de uma consciência de sustentabilidade no cenário agrícola, com impactos não apenas sobre o meio ambiente, mas também para os povos tradicionais.

Senadores e deputados federais consideram importantes as visitas que recebem de representantes indígenas em seus gabinetes, mas apontam que isso é pouco frequente, à exceção dos políticos com atuação específica nessa pauta.

“Eu sinto que há vozes, mas são vozes ainda insuficientes para sua cultura, sua história. Quinhentos e treze deputados federais, só uma Joênia. E ela pode representar, mas não vai representar todo o universo.” 
(Deputada federal, SP)
Crédito: Apib

Os jornalistas regionais ressaltam a importância da educação da população; da maior conscientização da sociedade às causas indígenas a partir da conscientização; e da própria resistência indígena que já vem acontecendo.

No Brasil de Bolsonaro, a projeção de futuro é negativa

A projeção de futuro varia a partir das diferentes perspectivas. Os mais engajados em ações voltadas à sustentabilidade ou projetos sociais tendem a ser mais positivos. No cômputo geral, entretanto, a projeção de futuro é sobretudo negativa, influenciada pela atuação do atual governo contra os interesses dos povos tradicionais, pela desconstrução atual das políticas públicas e pela não percepção do capital político dos indígenas na agenda pública.

Alguns apontaram essa como a década definidora, tanto para questões ambientais quanto para os povos indígenas.

O ponto de inflexão para esse futuro, citado por grande parte dos formadores de opinião, é a reeleição (ou não) de Jair Bolsonaro. Com Jair Bolsonaro reeleito, a regressão observada e prevista para as pautas sociais e ambientais e, especialmente, para os povos indígenas aponta para um cenário, segundo os entrevistados, de assimilação cultural como possibilidade provável e muito próxima (nos próximos dez anos, por exemplo) e, até mesmo, de extermínio.

Com a saída de Jair Bolsonaro em 2022, espera-se uma reconstrução social, mas percorrendo um caminho que talvez seja longo.

“É um sentido de tragédia quase, acho que é a palavra que a gente vê para essa população olhando para frente, se continuar dessa forma, imaginando que o Bolsonaro ganhe o ano que vem um ponto de não retorno complicado para essa população em termos de políticas públicas.” 
(Economista, consultoria)
“Nos últimos anos de governo Bolsonaro, há um processo de perdas significativas que a gente vê num grau mais claro, explícito do que as minorias tradicionais. Elas já tinham dificuldade em conseguir conciliar a sua sobrevivência, sua existência em áreas que têm um peso crescente do agro e agora ainda mais com um presidente e um governo que é francamente contrário à agenda indígena. Se já era difícil, está muito pior.”
(Economista)
Crédito: Reprodução Instagram

Por outro lado, as narrativas de um futuro mais positivo se baseiam na crença da força do movimento ambiental, que é global e é considerada irreversível. 

“A gente tem muitas forças progressistas com uma visão de mundo interessante ligada à regeneração do planeta. Eu acho que essas forças (progressistas) tendem a crescer, enquanto as forças reacionárias tendem a enfraquecer, porque elas estão indo cada vez mais na contramão do mundo. Essa tomada de consciência da necessidade de regeneração do planeta é algo que dialoga muito mais com a questão indígena e dos povos ancestrais do que essa questão reacionária que parece que não vê os problemas e desafios ambientais globais que a gente tem hoje.” 
(Empresário)
“Acho que deve ser nosso compromisso ético deixar para as próximas gerações uma sociedade melhor do que nós recebemos, do que nós vivemos. Uma sociedade onde não se mate índio, não se mate negro, não se mate LGBTIQA+, que não se mate por falte de vacina, que chegue antes do problema, que não se mate uma mulher por ela ser mulher. Eu presenciei isso no governo de São Paulo. Quando se tem um compromisso, é possível, mesmo com todas as dificuldades apresentadas. Então tem que ter esperança, esperança revolucionária, ela muda. Se você fica na apatia, achando que não vai acontecer, aí a voz do seu inimigo prevalece. Já dizia o poeta, ‘quem sabe faz a hora, não espera acontecer’.” 
(Deputada estadual, SP)

Um número bem menor de menções sobre um futuro positivo para os povos indígenas incluem o intercâmbio cultural, o acesso a tecnologias e a educação, sem que isso seja tratado como perda e assimilação cultural. 

Os resultados da pesquisa apontam um longo e necessário percurso com ocupação de mais espaços políticos e maior conscientização sobre a realidade desses povos por meio de informação e de educação, além de uma maior organização da sociedade a favor dos povos indígenas e a manutenção da força crescente de sua auto-organização. 

Crédito: Apib

Dos muitos Desafios